segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Candidatura de Lula seria um escárnio

Por Adelson Vidal Alves




No próximo dia 24 de Janeiro o Brasil estará com seus olhos voltados para Porto Alegre, particularmente na sede do Tribunal Regional Federal da 4 região, onde o ex-presidente Lula será julgado em segunda instância pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele já foi condenado em primeira instância pelo juiz Sergio Moro a 9 anos e meio de prisão.

Caso seja condenado, o petista estará imediatamente inelegível, mas pode empurrar a sentença definitiva para outras instâncias, como o STJ e o TSE. Para especialistas, a decisão final deve sair pouco antes ou durante a campanha presidencial do primeiro turno no ano que vem.

Enquanto isso, Lula tenta politizar seu julgamento. O discurso se assemelha a narrativa esdrúxula do impeachment como golpe, tratando o réu como um perseguido pela Justiça e as "elites". Os mais lunáticos chegam ao cúmulo de insinuar uma conspiração institucional contra o pré-candidato do PT, já que este seria líder nas pesquisas. Clamam que a Justiça acate as pesquisas como “vontade do povo”. Ora, nem se Lula dominasse por completo o cenário eleitoral ele poderia ser livrado. A maioria eleitoral (que nem maioria neste caso é) jamais pode se sobrepor ao pacto constitucional. O caso de Lula é criminal, não político.

O PT e os movimentos sociais estão convocando atos em todo o país, alertando para um suposto julgamento de exceção. Uma asneira sem tamanho. O partido chegou a soltar uma nota ridícula demonstrando preocupação com uma rebeldia em massa em favor de Lula. Lembremos que este foi conduzido coercitivamente até a PF e meia dúzia de gatos pingados foram às ruas; também foi convocado por ele atos a favor de Dilma, e igualmente, ninguém apareceu. A popularidade de Lula está assentada nas regiões mais pobres do país, verdadeiros currais eleitorais da bolsificação proposital da miséria montada pelo PT em seus governos. O subproletariado (o termo é de André Singer) é a base do lulismo, mas só aparece nas urnas, estando bem distante das mobilizações de rua.


O fato é que se nossa Justiça amolecer e permitir a candidatura de Lula será um escárnio contra a população brasileira, a consagração do crime de colarinho branco como algo que compensa, será a desmoralização do Judiciário que estaria nos expondo ao risco de sermos governados por um gangster da pior espécie. 

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

A indispensável reforma da Previdência

Por Adelson Vidal Alves



O rombo do Regime Geral da Previdência é de R$ 178 bilhões, mais ou menos R$ 6 mil por aposentado. Entre os servidores públicos, os números são superiores, chegando a R$ 78 mil por pessoa. Tal déficit pode se agravar ainda mais, para 2018 está previsto o aumento de gastos previdenciários em torno de R$ 36 bilhões em relação a 2017. Além disso, devemos ter em mente que a expectativa de vida dos brasileiros cresce, enquanto a contribuição vem caindo em um país de 14 milhões de desempregados. Aumentam os benefícios concedidos, mas a previdência pena a falta de recursos. Este é o quadro previdenciário brasileiro que exige urgentemente ser reformado.

O governo Temer apresentou uma reforma relativamente boa, que quebra privilégios do setor público e equilibra direitos. Juizes, políticos, servidores federais que se aposentam mais cedo e com altíssimos salários terão que se enquadrar em regras comuns a todos.

Os que se aposentam mais cedo são os que vêm das classes médias privilegiadas, tem estabilidade no emprego e ingressam em excelentes cargos da esfera pública e também privada. Os pobres que sofrem as crises cíclicas na economia e no emprego acabam por aposentar tarde e com salários menores. A reforma da previdência vai atacar as desigualdades previdenciárias, motivo pelo qual magistrados e outros privilegiados se opõem com raiva a quebra de suas vantagens.

Sindicatos, partidos de esquerda e movimentos sociais também reclamam da reforma, chegam ao delírio cínico de dizer que os brasileiros morrerão trabalhando. A idade mínima, no entanto, é uma exigência diante de nossa situação. As novas regras estabelecem 62 anos para mulheres e 65 para homens. São mudanças pontuais, com estas idades e 15 anos de contribuição os brasileiros poderão se aposentar com 60% do salário, que sobe progressivamente na medida em que aumenta o tempo de contribuição. É um exagero cretino sugerir que a aposentadoria vai acabar, como insinuam alguns setores da sociedade brasileira. Sem falar que a reforma vai atingir apenas 35% dos trabalhadores, segundo o IPEA. Em relação aos outros 65%, nada mudará.

Com os dados corretos em mão é impossível ser contra uma reforma previdenciária, se não fizermos agora, colocaremos em risco o futuro de gerações. Ou mudamos ou em um prazo médio de 20 anos não teremos como pagar os benefícios. Teremos que “tributar os ausentes”, como bem disse o economista Gustavo Franco, um dos idealizadores do Plano real.

Mas há quem diga, ainda, que não há déficit na Previdência. Eles são da CUT, das centrais sindicais ligadas a partidos de esquerda. O malabarismo estatístico que fazem, no entanto, tem pouco sentido, isso comparado a estudos de economistas renomados e auditorias sérias como a do TCU. O déficit é um fato.

O grande desafio nacional é encaminhar o mais rápido possível a reforma da previdência. O déficit não só coloca em risco o futuro previdenciário como ameaça investimentos nos dias atuais. Persistindo, o rombo previdenciário afetará a educação, a saúde e a segurança pública. A reforma da previdência é indispensável.



sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Por que não uma História Temática?

Por Adelson Vidal Alves



Marc Bloch e Lucien Febvre são os principais nomes de uma corrente historiográfica que revolucionou a metodologia de construção do saber histórico. Eles propuseram uma história problemática, em diálogo com variados campos do saber, em oposição a uma historiografia tradicional até então focada em grandes narrativas políticas, heróis e com olhar exclusivo em fontes documentais. A história tradicional, no entanto, foi de grande importância para a consolidação da história como conhecimento científico.

A Escola dos Annales - como ficou conhecido o grupo que propôs essa grande transformação - iniciou uma historiografia com outros paradigmas. Hoje, o que precisa de uma verdadeira revolução é o ensino de história, ainda engessado dentro do velho esquema quadripartite francês (História Antiga, Idade Média, Idade Moderna e História Contemporânea), de conteúdo cronológico e fatual. Para os alunos, tal abordagem da história soa como inútil, chato e pesado. Mas, afinal, é possível uma nova didática de ensino de história que soe mais interessante e útil para nossos jovens?

De inicio, devo esclarecer que sou contra qualquer iniciativa que tente abolir dos currículos escolares os grandes acontecimentos europeus que marcam as divisões históricas do atual conteúdo programático, como tentou o MEC recentemente. É inimaginável imaginar aulas de história que não abordem a Roma clássica, a Grécia clássica, o mundo medieval, as grandes navegações, a reforma protestante e a Renascença. Todavia, sem romper com a atual divisão temporal, poderia coexistir um ensino de história temático.

A história temática seria uma abordagem escolar da história que consiste na seguinte metodologia: 1) Escolhe-se um tema, por exemplo, a democracia. 2) Entende-se o que é democracia nos dias de hoje em vários lugares, países, continentes e culturas diferentes. 3) Estuda-se a democracia em outros tempos e lugares, buscando sua origem e significado. 4) Compara-se os conceitos e os sentidos da modificação no tempo e no espaço.

De imediato o aluno irá entender que a história é um processo em construção, e que nada é eterno, tudo passa por um processo de criação e transformação. Identificar rupturas e permanências pode instigar a curiosidade dos alunos, fazer com que respeitem o diferente. Em geral, nossos estudantes imaginam o seu mundo como o único; o outro, o diferente, é visto como estranho, errado, bizarro.

A proposta de uma história temática não é nova, e sozinha é insuficiente. Mais: a escolha de temas a serem estudados ainda é uma questão polêmica, e a formação de profissionais de história na atualidade não aborda tal método. Trabalhar história temática exige algumas habilidades. Todavia, pensar uma nova construção do saber histórico escolar é uma tarefa urgente.


domingo, 3 de dezembro de 2017

Os desafios de Samuca em 2018

Por Adelson Vidal Alves



O governo Samuca iniciou sob a euforia e as críticas contundentes, hoje, os dois tons de posicionamento frente à administração municipal estão bem mais amenos. A euforia de um governo de salvação perdeu força e as críticas mais fortes também diminuíram, parece que estamos entrando em um período de normalidade política, o que é muito positivo.

O governo Samuca, em pouco menos de um ano, atravessou algumas fases. No inicio, uma espécie de prosseguimento da campanha eleitoral impediu que a razão política prevalecesse, predominou a aposta no marketing, na imagem e em anúncios impactantes de projetos de longo prazo. Com a reforma administrativa, iniciou um modelo de gestão que organizava a estrutura funcional da prefeitura, resultando em economia na folha salarial e na racionalização operacional da gestão pública municipal. Veio a reforma do secretariado, que politizou mais o governo, conseguiu-se uma base de apoio parlamentar e política importante. Por fim, a política de austeridade fiscal organizou as finanças do município, diminuindo o desastre fiscal que o antigo prefeito havia deixado para o município. O rombo de R$ 500 milhões de reais obrigava a construção de uma gestão de economia e corte de gastos, que deu certo. Ao que indica, o município fechará com superávit, salários em dia e com alto potencial de investimento.

Porém, o ano de 2018 será o maior desafio para Samuca. Ano eleitoral expõe relações de forças que vão além do território político municipal. Certamente haverá composição e rachas políticos, o prefeito pode sair com um bloco político forte e vitorioso, como pode sair derrotado e ver sua governabilidade ameaçada para o restante do seu mandato.

O maior erro seria investir em “aventuras políticas”. O momento é de alianças menos arriscadas, mais consolidadas e com tradição eleitoral. Lançar outsiders e desafiar o status quo politico pode o colocar no isolamento, minar sua base de apoio que é heterogênea e em processo de consolidação.

Além do mais, o inicio do segundo ano de mandato deve vir com um planejamento especial, deve-se manter a política de austeridade fiscal e pensar ações mais fortes para equilibrar as contas públicas e resolver os problemas históricos da cidade. O problema do fornecimento de água, por exemplo, penalizou milhares de pessoas este ano, isso porque o governo anterior não investiu na modernização dos serviços, calcula-se que necessitamos de algumas dezenas de milhões de reais para colocar as tubulações em perfeito estado. Como tal verba não está a disposição do municipio, uma saída seria a privatização do SAAE (Serviço Autônomo de Agua e Esgoto)  com controle majoritário do governo. O municipio aceleraria a modernização do serviço, arrecadaria recursos para a cidade e veríamos os problemas de abastecimento serem amenizados com maior rapidez.

Enfim, combinar uma gestão de corte reformista e de austeridade com uma política de alianças inteligente e dentro do centro democrático é a fórmula para o sucesso de Samuca e de sua gestão no futuro.


segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O racismo no Brasil atinge as classes sociais de forma diferente

Por Adelson Vidal Alves



Em Julho de 2015 a jornalista Maria Julia Coutinho, a Maju, foi vitima de racismo na pagina do Jornal Nacional no facebook. Seus colegas de emissora tomaram suas dores e o povo brasileiro a acolheu com a hashtag #somostodosMaju. Taís Araujo, em palestra recente, disse que “a cor do meu filho faz com que pessoas mudem de calçada”. A atriz generalizou um comportamento de segregação que nos faz lembrar países como os EUA, onde bebedouros e acentos de ônibus eram diferenciados para brancos e negros. Marieta Severo, colega global de Taís, também expôs publicamente sua preocupação com o neto, dizendo que “doi saber que meu neto apanha de seguranças por ser negro”. Por fim, o casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank teve que ver sua filha adotada ser alvo de um racismo tosco proferido pela socialite Day Mcarthy, que chamou a menina de “macaca”, em um vídeo apavorante.

As citações acima fazem parte de uma justa preocupação nacional com a prática racista, ainda presente no nosso cotidiano. Mas por aqui, nosso racismo tem características particulares, fruto de uma história que não foi atravessada por leis raciais discriminatórias, aos moldes do nosso vizinho do Norte. A escravidão negra que assolou o Brasil por mais de três séculos encurralou negros em um destino perverso, mas que se construiu não em torno de uma “opressão racial”, mas sim por uma lógica econômica nascida do sistema colonial. O racismo, assim, tem raízes que se deitam em elementos singulares de nossa história e atinge os brasileiros de forma diferenciada.

Os casos citados acima ganharam os jornais por conta da exposição das celebridades envolvidas. Ainda que não se deva aceitar atenuantes para o racismo, é necessário compreender a forma diversificada que ele age e suas vítimas mais recorrentes.

É verdade que um racista -  com a estúpida crença que a cor da pele revela graus de moralidade e capacidade cognitiva -  age contra uma “raça” e não contra uma “classe social”, mas parece-me claro que as vitimas mais recorrentes dessa prática horrenda são os pobres que vivem na periferia.

Os filhos dos globais não estão livres do preconceito racial, mas a chance de serem abordados e agredidos pela ação policial, quase que restrita às comunidades carentes, é quase zero. O mesmo se dá na procura de uma vaga de emprego onde se exige foto no currículo. Na pior das hipóteses, os filhos negros das classes de cima podem acionar advogados e fazer com que a justiça seja feita em um país onde o acesso do pobre à Justiça é precário.

Os dados censitários mostram que entre os grupos socialmente mais vulneráveis estão os pardos, esse grupo racial que representa nossa história de miscigenação. Os negros, pouco mais de 14% da população, também são número alarmante aqui na parte debaixo, e assim como os pardos, são as vitimas preferenciais dos preconceitos que o Estado brasileiro ainda usa através de suas instituições. Para nos livrarmos disso, somente investindo em uma cultura de desracialização, persistir na construção de um ambiente onde a cor da pele seja apenas resultado genético do efeito de melanina na configuração da pigmentação da pele. É hora de resgatarmos o sonho de Martim Luther King, onde a cor de uma pessoa não seja base para qualquer julgamento.  


domingo, 12 de novembro de 2017

Waack é o sacrifício expiatório do nosso racismo

Por Adelson Vidal Alves



Algumas pesquisas recentes revelam que 97% dos brasileiros negam ter preconceito de cor, mas admitem conhecer alguma pessoa racista. Ou seja, “o racismo no Brasil existe, mas eu não sou racista”.

Tal comportamento revela um país ciente que ainda pena a desgraça do racismo - mas ao contrário de outras nações que chegaram a se orgulhar do seu racismo – o Brasil sente vergonha por essa mácula, e não aceita ninguém que se comporte com esse sentimento na esfera pública, com pena de ser esmagado e destruído na sua vida social e profissional. Este foi o caso do jornalista William Waack, com a diferença que o seu limbo foi preparado a partir da filmagem de uma conversa privada, e guardada durante um ano, sabe se lá porque, até acender o fogo da inquisição virtual e o sacrifício expiatório de um dos maiores jornalistas brasileiros.

Condenamos as palavras de Waack com toda a razão. Foi horrendo, bárbaro, nojento, monstruoso. O racismo é monstruoso. Mas Waack seria racista?

A trajetória política e profissional de Waack jamais apresentou algo que nos faça imaginar que ele seja racista. Só por questão de explicação, ser racista implica o comportamento sistemático que parte da crença que raças humanas existem e são hierárquicas. O âncora global, ao contrário, sempre se apresentou como homem politicamente moderado, inteligente e advogado da tolerância, em vários episódios ele foi voz lúcida no clamor por diálogo, respeito e equilíbrio. Mas nesse momento isso parece não importar para aqueles que desejam o sacrifício de Waack em praça pública.

Alguns agem assim porque querem que ele expie nossos próprios pecados raciais, pecados que são frutos de uma história que penalizou seres humanos a três séculos de escravidão perversa. Essa mancha vergonhosa de nossa história impôs em nossa consciência o sentimento de racismo, combatido dia-dia, e com relativo sucesso, pelo Estado e a sociedade brasileira. Isso quer dizer, porém,  que nenhum de nós está absolutamente livre de proferir algum preconceito na vida. Estamos contaminados, e isso é preocupante, mas deve ser diferenciado da prática racista militante e voluntária.

No Brasil persistem grupelhos organizados que se orgulham da supremacia branca, estão na internet, divulgando ideias que propagam a superioridade da raça ariana. Esses devem nos preocupar, mas nem de longe representam a realidade brasileira, que é de um racismo acuado, cultural e de consequências particulares de nossa história.


Ao expormos nossa indignação com a fala de Waack, estamos de certa forma nos absolvendo, faz bem para nossas consciências.  No entanto, o sacrificio solitário de um profissional errante servirá muito mais para a política daqueles que sempre se incomodaram com suas ideias do que para verdadeiramente vencer o racismo. 

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

“Ideologia de Gênero” e as crianças

Por Adelson Vidal Alves



 A sexualidade de nossa espécie é complexa e contraria o senso comum, que no ocidente sempre repousou na mitologia judaico-cristã, segundo o qual a natureza humana “normal” seria macho ou fêmea, naturalmente ajustada no corpo e na identidade individual, como sugere o mito de Adão e Eva. Tal pensamento só pode se sustentar em uma visão míope, fundamentalista e preconceituosa, alimentada por dogmas religiosos para lá de atrasados. Entender a realidade exige muito mais que crendices medievais.

De inicio, devemos entender a diferença entre sexo biológico, orientação sexual e gênero. O primeiro tem a ver com combinações biológicas, que basicamente formam homem e mulher; a segunda está ligada a atração sexual, não “opção sexual”. É orientação porque a história de cada um vai revelar afetividades múltiplas nos indivíduos; que não são escolhas, nascem com as pessoas. Por fim, falamos de gênero, algo complexo que está ligado aos símbolos, comportamentos e representações sociais construídos no tempo e no espaço. Daqui, surge a proposta de entendermos que o corpo não revela necessariamente a identidade de gênero, que é diversa, e para alguns, inclassificável. Compreender esta situação resulta na interpretação do mundo não como um lugar meticulosamente planejado e ajustado do ponto de vista sexual, mas uma complexidade ainda a ser compreendida totalmente.

Diante desta constatação, óbvia para qualquer mente minimamente atenta, a sociedade, os governos, os educadores e os pesquisadores vem propondo um debate dentro das escolas, com nossas crianças, que tem o direito de conhecer o mundo que vivem, sendo orientadas a se comportar conforme os paradigmas dos direitos humanos.

No entanto, do mundo conservador e retrógrado aparecem gritarias das mais bizarras, que se dizem defensoras das crianças. Ora, a escola é o espaço por excelência do conhecimento, da discussão e do debate. Cercear o direito de professores falarem às crianças sobre diversidade sexual e a necessidade da tolerância é uma violação à liberdade de expressão e uma condenação prévia da criança a ser privada de conhecimentos importantes sobre o mundo em qual vivem e se desenvolvem.

Qual o medo dessa gente? Que professores transformem seus filhos em homossexuais? Ou quem sabe alunos sejam incentivados a transarem com o coleguinha da carteira da frente? Quanta bobagem!

O objetivo do debate sobre gênero e sexualidade nas escolas é tão somente adicionar informações novas no universo escolar, nada disso desautoriza a família na educação das crianças, não desrespeita a religiosidade e nem doutrina cabeças inocentes a se tornarem “devassas”.

O combate boçal dos reacionários contra uma proposta tão simples e progressista reflete um mundo ainda em marcha à ré moral. O resultado é sempre prejudicial à construção de uma sociedade mais cívica, justa e fraterna.



segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Contra o estatismo, o liberalismo social

Por Adelson Vidal Alves



Durante o segundo governo Lula e todo o mandato de Dilma, prevaleceu no Brasil uma política econômica desenvolvimentista. O Estado era visto como o indutor do desenvolvimento nacional, taxando importações, intervindo no mercado, orientando investimentos e despejando dinheiro público em setores da economia vistos como ”campeões nacionais”. Simultaneamente, predominou políticas sociais de grande alcance, ainda que de caráter compensatório.

Tais medidas renderam ao lulopetismo um discurso triunfalista, excessivamente otimista quando à modernização e resolução de nossos problemas sociais históricos. No entanto, o modelo econômico desenvolvimentista - anacrônico como foi aplicado - é inviável em longo prazo, pesado e caro. Por isso, nosso país pena hoje um endividamento enorme, inflação alta, desemprego com números alarmantes e uma relação promíscua entre instituições estatais e o mercado, conforme relatos da Policia Federal e da Operação Lava Jato.

Apesar disso, parte da esquerda brasileira e dos movimentos sociais segue insistindo em uma versão política estatista e intervencionista, opondo-se aos ajustes fiscais e as reformas econômicas necessárias, como a reforma trabalhista e da Previdência.

Para vencer uma agenda tão atrasada, que caso saia vencedora nos transformará em uma Venezuela, faz-se necessário a construção de um programa político que seja vencedor em 2018, organizado em torno do que eu chamaria de “liberalismo social”.

“Liberal” porque o eixo deste programa deve girar em torno de orientações liberais, como austeridade fiscal, algumas privatizações, fomento ao empreendedorismo, autonomia do Banco Central e redução da participação do Estado na economia. “Social” devido ao fato de que as políticas de combate a pobreza devem seguir em progressiva expansão, a principio em caráter assistencial, mas combinada com medidas estruturais que promovam menos desigualdade social e regional, educação e saúde universais no acesso e na qualidade.

Para que vença este projeto, será necessário um pacto político plural que convirja ao centro, envolvendo partidos, associações civis e o parlamento. O objetivo comum é a recuperação da economia brasileira, em respeito a democracia e a Constituição,  dentro de uma estratégia reformista e sempre em busca de consensos progressivos.


Em 2018,  o Brasil tem uma solução programática, que pode vencer o populismo do atraso e o autoritarismo político que, de forma ambígua, exalta o ultraliberalismo econômico. O liberalismo social é uma opção. 

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Estado e História

Por Adelson Vidal Alves



O que é História? Marc Bloch responde: “é a ciência dos homens no tempo”. Qual seu objeto de estudo? O mesmo Bloch esclarece: “O objeto de estudo da História, é por natureza, o homem”.

O historiador francês, fundador da Escola dos Annales - esta que revolucionou a metodologia historiográfica no inicio do século XX - nos deixa claro que o papel do profissional de história não é simplesmente vasculhar o passado e depois despejá-lo na sociedade em forma de cronologia e verdade absoluta. Mais que isso “História é ciência do passado e do presente, um e outro, inseparáveis” (Fernand Braudel), e o conhecimento que nasce da pesquisa historiográfica é sempre uma interpretação do historiador, ainda que seguindo uma metodologia.

A “história da História” revelou rupturas e permanências na ciência histórica. Passamos, graças a já citada Escola dos Annales, de uma história factual, concentrada em heróis, datas,  grandes acontecimentos políticos e com ênfase quase que exclusiva em documentos escritos; para uma concepção problemática, que valoriza diversas fontes, dialoga com outras ciências e entende ritmos diferenciados no tempo da História. Aqui, revela-se uma história que não é uma narrativa absolutamente “verdadeira” dos fatos, mas um objeto de disputas, de construção de imaginários que representam a hegemonia de um grupo ou de outro na criação da “História oficial” ou da "História que venceu". A memória da sociedade, assim, está subordinada a uma luta intensa pela hegemonia de uma “versão” da História, escrita conforme a visão de mundo de um grupo. A História, desta forma, jamais é absolutamente neutra.

Diante destas disputas, disse bem Fernand Braudel, em acordo com as varias citações aqui mencionadas, que “a função do historiador é lembrar a sociedade do que ela quer esquecer”. Isto é, provocar o homem e a sociedade quanto ao fato que passado e presente se interlaçam em uma aventura construída pela ação dos homens no mundo e na natureza. Memória significa poder.

Desta forma, percebemos que nos tempos atuais é de fundamental importância a formação de espaços múltiplos de disputas da memória. O lugar natural destas disputas é a academia, lá se constrói o conhecimento histórico como ciência. No entanto, este debate não pode se resumir ao campo acadêmico, um campo que, pelo menos no Brasil, tem grandes dificuldades de conversar com o povo, com as pessoas comuns.

O poder público, no âmbito das políticas públicas de cultura, pode e deve incentivar espaços que envolvam diretamente o cidadão comum no “fazer história”. São bibliotecas, centros de memorias, arquivos, fundações culturais, acervos populares, lugares onde a história não é só conhecida, mas também revista, construída e desconstruída, criticada, questionada ou entendida, tudo através da intervenção popular com utilização de diversas ferramentas. O fornecimento de espaços de memória do poder público para a sociedade, sempre em contato com a academia, configura-se como a democratização das falas da História, setores marginalizados não se desmancham em meio aos eventos espetaculares da vida, mas se somam e problematizam.

O Estado tem condições de ajudar a formarmos um universo plural e democrático no debate da História, junto com a população. Basta aceitar investir em tais propostas como sendo investimento no patrimônio material e imaterial de cada povo. Unidos, sociedade, universidade e poder público podem ajudar na vivência da construção pluralista da História.


quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O movimento operário dá adeus

Por Adelson Vidal Alves



Quando Marx escrevia a maior parte de seus textos militantes a Europa era o centro da efervescência industrializante. A nascente classe operária do século XIX impressionou não só o filósofo alemão, mas todo o campo revolucionário. Quem duvidaria que uma multidão de trabalhadores ligados por uma condição de opressão seria capaz de por abaixo o sistema capitalista? A história apontava o coveiro do capitalismo.

No entanto, caso Marx acordasse hoje, o que ele veria é o seu operariado fabril agonizando. O movimento em quem ele tanto apostou é insignificante diante dos grandes conflitos contemporâneos. São os coveiros do capitalismo que estão indo para a cova.

As razões para esse refluxo irreversível são várias: a reestruturação produtiva, a globalização, a revolução tecnológica, a mutação no mundo do trabalho. A internacionalização da economia exige empresas mais eficientes, menos braços e mais máquinas. A operação produtiva está robotizada, exigindo cada vez menos a participação humana. Diante disso aparecem novas técnicas de gerenciamento, que afetaram diretamente na consciência das classes, produzindo sindicatos mais negociadores e menos radicais nos enfrentamentos. As greves acabaram, fracassaram. As Centrais Sindicais só aparecem para organizar sorteios de brindes e mega-espetáculos no 1 de Maio.

Não é que a luta de classes tenha desaparecido, ela se modificou e perdeu relevância. A classe trabalhadora vê hoje um mundo que produz globalmente, conglomerados que exploram mais-valia a quilômetros de suas matrizes, um mundo conectado que dispensa quase que por completo as velhas relações humanas de trabalho.

Os trabalhadores do século XXI estão em menor número nas grandes fábricas, perderam suas identidades, rejeitam suas velhas formas de luta, querem mais colaboração e menos guerra, querem participar do capitalismo, não destruí-lo. Ao contrário da previsão apocalíptica de Marx, o sistema do capital não proletarizou o mundo pela miséria. Os avanços tecnológicos formaram classes médias, reduziram os quadros de fome, incluiram as massas no consumo. O “grande dia do conflito final” foi definitivamente adiado.


Não significa que esteja tudo bem, significa que com o fim do proletariado e de seu movimento, as relações de trabalho vão precisar ingressar em novos espaços de resolução de confrontos. Teremos que pensar o futuro sem as utopias do passado, reafirmar a democracia e suas instituições como lugar de excelência para que possamos erguer um novo mundo, pacífico, desenvolvido e mais justo. O movimento operário, aquele dos séculos XIX e XX, está dando adeus. 

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Derrota do conservadorismo brasileiro passa pela derrota da religião

Por Adelson Vidal Alves



O conservador se opõe às grandes mudanças sociais, econômicas, políticas, morais e sistêmicas.  Acredita que há valores, tradições e instituições que devem se eternizar no tempo. O conservadorismo ganhou notoriedade diante das revoluções dos séculos XVIII e XIX, ao fazer oposição aos ideais revolucionários e defender a ordem do Antigo Regime.

O Brasil contemporâneo é conservador, sobretudo, na moral. Debates importantes como os direitos civis homossexuais, a descriminalização do aborto e a legalização da maconha são rejeitados pela grande maioria dos brasileiros. No entanto, nosso conservadorismo não persiste pelas reflexões laicas de Michael Oakeshott e Edmundo Burke, mas pela religião. Este último teórico, é verdade, via na religião o grande ordenamento da vida moral, mas seu pensamento foi além disso.

Os brasileiros de hoje não se apoiam na razão conservadora, estão submetidos às diretrizes do conservadorismo graças a uma prática bem mais pobre e perigosa que a dos grandes intelectuais da época da Revolução francesa. O estranhamento diante da diversidade sexual e a oposição à necessidade de debatermos a interrupção voluntária da gravidez nascem da pregação de teologias paupérrimas, que ameaçam consciências com a reação da ira divina frente a tais “pecados”. É a religião que firma verdades, que molda a cabeça conservadora do religioso pela certeza de um valor moral que não nasce da compreensão da vida social, mas de verdades imutáveis supostamente reveladas em um livro.

Há quem diga que o conservadorismo brasileiro pode deitar raízes distantes no colonialismo português, na formação do Estado brasileiro e no perfil próprio de nossa nacionalidade que teme o novo. Pode ser que haja uma articulação com isso tudo, porém, a religião moderna parece ser o sustentáculo do conservadorismo moral em nossos tempos.

O catolicismo que nos formou contribuiu e contribui muito para o conservadorismo de nossas terras. Ancorado em uma tradição de fé que condena o divórcio, o protagonismo eclesial feminino e a homossexualidade, e que obriga castidade pré-nupcial aos leigos e celibato a seu clero, a religião católica fez o conservadorismo valer em nossa cultura.

E não se trata apenas da religião do carismático Papa Francisco, ela ganhou o reforço do protestantismo, seja o histórico e de herança puritana, seja o pentecostal e neopentecostal, estes que são responsáveis pela difusão do irracionalismo e da intolerância entres os grupos mais pobres da periferia brasileira.

A conclusão que chegamos é que o conservadorismo brasileiro, por sua natureza, está relativamente imune à persuasão laica, afinal, os valores a serem conservados viriam do próprio Deus. Como convencer alguém das vantagens morais do progressismo quando é a certeza de uma fé conservadora que convence cabeças? A razão vale pouco para a mente religiosa.


A transformação progressista passa pela necessidade de derrotar a religião, ou pelo menos preservar apenas as que guardam um mínimo de espaço para o debate racional. Ampliando a religiosidade, pelo menos essa a que me referi, o Brasil seguirá sendo conservador, emperrado em preconceitos e na ignorância. 

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Os pobres são de direita? Resposta a Paulo Moreira

Por Adelson Vidal Alves



Os pobres são de direita? Segundo o colunista do Diário do Vale, Paulo Moreira, a resposta é sim. Para Paulo, pobre aprova a redução da maioridade penal, a pena de morte e é contra a intervenção estatal na economia e o desarmamento da população civil. Suas afirmações não vêm acompanhadas de nenhuma pesquisa ou dado estatístico que as comprovem, a não ser pelo resultado do plebiscito do desarmamento realizado no Brasil em 2005. Mesmo aqui, o autor do artigo comete um erro grave: o de desconsiderar o pluralismo da esquerda.

Não podemos falar de “esquerda”, mas de “esquerdas”. No citado plebiscito, partidos e movimentos de esquerda se posicionaram contra a proibição do comércio de armas e muitos da direita apoiaram a restrição. O PSTU se posicionou afirmando que a consulta popular era uma forma de desarmar o proletariado em período de crise revolucionária. Organizações e intelectuais de direita também não foram homogêneos em suas posições, direitistas afirmavam que arma na mão de gente ignorante poderia significar o aumento de assaltos e incentivaria a bandidagem. O fato é que não podemos ser superficiais quanto ao debate esquerda x direita, devemos saber que ambas mantém variantes dentro de si. Podemos falar de extrema-esquerda, esquerda democrática, esquerda revolucionária ou reformista; da mesma forma vamos enxergar uma direita democrática, moderada, assim como fascista e autoritária.

A fim de evitarmos mais confusão, trataremos aqui desta distinção aos moldes de Norberto Bobbio, isto é, a direita naturaliza a desigualdade e a esquerda entende que as desigualdades são produto de um sistema social injusto, no qual a política poderia interferir para amenizar.
A partir disso, vamos constatar simplesmente que não existe um lugar natural do pobre no campo ideológico. Pobres assumem decisões de acordo com o que interpretam no momento, ou quando assumem para si consciência de classe. Basta entendermos o que explica o marxismo nos conceitos de “classe em si” e “classe para si”. O primeiro representa o momento no qual a classe existe empiricamente, como realidade concreta de um determinado modelo econômico, já a “classe para si” se encontra em um momento evoluído onde se reconhece dentro de um determinado modelo de produção; entende os prejuízos e vai para a luta. No capitalismo, seria muito difícil entender um trabalhador que reconhece sua pobreza e resolve defender a direita, seria uma tomada avessa de consciência. Neste estágio de conscientização, é impossível um pobre ser de direita.

Sem compreender estas questões básicas, o autor parte para o ataque contra a esquerda. Ele a vê como o lugar de intelectuais que gostam de trabalhar pouco no serviço público - os “pequenos burgueses”-  ou simplesmente professores que seriam contra a meritocracia na educação. Paulo Moreira revela aqui que quem é de direita não são os pobres, mas sim ele. Uma cabeça que se ponha contra as desigualdades entenderia a crítica que se faz á meritocracia. Colocar estudantes de níveis sociais e cognitivos diferentes em disputas que partem do mesmo ponto é de uma injustiça cruel. Não considera que o Joãozinho filho de desempregados e que trabalha durante o dia vendendo bala no metrô não pode concorrer de igual para igual com o playboyzinho da Zona sul. E para se chegar a essa conclusão nem precisamos recorrer aos teóricos revolucionários do marxismo e da esquerda, basta uma lida rápida em John Rawls, um liberal confesso.

Marx certa vez viu uma real possibilidade revolucionária no sufrágio universal. O filósofo imaginava que sendo os pobres a maioria logo conseguiria tomar o poder, o que obrigaria a burguesia a recorrer à repressão. Mas Marx estava enganado, o capitalismo se desenvolveu e criou camadas médias, concedeu ganhos econômicos aos trabalhadores, e o Estado moderno conseguiu suprir necessidades emergenciais dos grupos mais excluídos. As eleições e a luta de classes, então, passaram de uma leitura meramente economicista para uma preocupação no campo das ideias, dos sentimentos, da cultura. A batalha pela hegemonia, nos termos gramscianos, é exatamente isso, a disputa para construir novos consensos, e assim moldar uma sociedade mais justa. Não é que o pobre “é de direita”, ele pode “estar de direita”, mecanismos de persuasão como a escola, os partidos e a família podem ser decisivos na hora de sabermos se ele irá de Bolsonaro ou de Zé Maria, de Heloisa Helena ou João Dória, de MST ou UDR, de CUT ou Fiesp. Generalizar um grupo social com um único e imóvel  viés ideológico é um erro panfletário que Paulo Moreira Leite cometeu.


PS: Caro Paulinho, o professor é contra elaborar provas não porque tem preguiça de corrigir, mas porque essas avaliações não tem sentido algum, assim como todo o sistema escolar atual. 

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Adeus à familia

Por Adelson Vidal Alves



Há quem diga que os grandes problemas morais, sociais, educacionais e até políticos estariam ligados à desestruturação da família tradicional. Esta, entendida como pai, mãe e sua prole. Os novos núcleos familiares (casais homoafetivos, por exemplo) surgidos a partir de uma lógica espontânea da vivência humana, seria a degeneração da família natural, eterna e criada por Deus.

Tal raciocínio se apega a tradição judaico-cristã, hegemônica no Brasil. Mas do ponto de vista histórico, a família tradicional não é uma instituição imortal da natureza. Ao contrário, ela é uma invenção social, inclusive recente, originada entre os séculos XVIII e XIX. Explicando melhor, algumas culturas, por alguma razão e em determinados momentos históricos, resolveram, dentro do conceito de família, serem monogâmicas, estabelecerem laços de responsabilidade e compromissos jurídicos.

A palavra família, etimologicamente, tem origem no latim, e significa “escravos domésticos”. Não à toa, Friedrich Engels, um dos fundadores do socialismo científico, entendeu a família moderna como a apropriação da mulher como propriedade privada. Sua teoria é mais bem desenvolvida no seu clássico “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, onde o autor desenvolve seu pensamento quanto a esses temas usando do materialismo dialético.

E se Engels identifica a origem da família nas bases materiais da sociedade, um autor não-materialista, Immanuel Kant, defende o potencial de libertação humana das comunidades familiares a partir da razão. Bem escreveu Maria Rosaria Manieri: “A concepção kantiana da fraternidade ratifica o fim das relações sociais de dependência, a recusa da comunidade-família (...). No complexo cultural kantiano o próximo perde os traços particulares, sentimentais e religiosos para assumir os da humanidade”.

E não se trata apenas de projeções filosóficas, mas de constatações reais do mundo contemporâneo. A globalização é um fato, e derrubou barreiras culturais, estatais, reformulou conceitos como o de identidade e soberania, e revolucionou as formas de vivência. Caminhamos para um futuro onde cada vez mais o valor de humanidade se sobrepõe aos valores de nacionalidade, raça, religião e cultura. Caminhamos para viver uma comunidade global única, razoavelmente homogênea (a diversidade jamais desaparecerá por completo) e com laços sólidos de espécie, não mais de família.

Podemos observar que no passado e no presente, famílias humanas dividem a paternidade dos filhos. Nossas ancestrais fêmeas transavam com vários machos, sem se interessar em saber qual deles gerou o seu filho, afinal, toda a comunidade cuidaria da prole.  Há tribos modernas que ainda agem de forma semelhante, recusando o modelo monogâmico.


A família tradicional está com os dias contados, não sobrevive mais 50 anos. Casamentos, disputas judiciais por filhos e herança, rivalidades familiares entre vizinhos, tudo isso será coisa do passado. No lugar, uma família global, com ligações cada vez mais flexíveis, mais ligadas ao valor de humanidade do que o de sangue. A transição já começou, e não há motivos para imaginar que ela vai ser detida. 

sábado, 2 de setembro de 2017

Obrigado, Ivana

Por Adelson Vidal Alves



Em “A Força do querer”, a personagem Ivana (Carol Duarte) é um transgênero com inclinações homossexuais (ela nasce biologicamente mulher, mas com o gênero masculino, porém, sente atração por homens). Seu drama percorre toda a novela como sendo a dor de um individuo que não se entende, odeia seu corpo e não se reconhece dentro do seu sexo biológico. Não é apenas a brilhante interpretação da jovem Carol que chama a atenção na trama de Glória Perez, mas, principalmente, o fato que grande parte do público não tinha a mínima ideia da existência desta questão, que é real e faz muita gente sofrer.

Muitos brasileiros podem afirmar: “mal conseguimos engolir a homossexualidade, e já vem gente querendo dizer que é possível fazer nascer barba em mulheres, mutilar seios e pênis, fazer um homem virar menina e vice versa, isso aqui está uma bagunça”. Este tipo de raciocínio é comum no Brasil, um país moralmente conservador e com forte influência cristã. É que na cabeça das pessoas, a natureza produziu seres humanos perfeitamente ajustados, programados para a heterossexualidade, a orientação sexual que Deus criou. De repente, descobrimos que não é nada disso. Há gente que sente atração pelo mesmo sexo, pelos dois sexos, que não gosta do seu corpo e se modifica para se adequar melhor ao seu “Eu”. Nada disso é doença e nem pode ser "curado", nem por Deus e nem pela ciência.

Hoje, podemos pensar a sexualidade sociologicamente, interpretando pelo menos três momentos na sexualidade humana: o sexo biológico, a orientação sexual e o gênero. O primeiro tem a ver com as características físicas do nascimento biológico, isto é, os genitais, seios, pênis etc. A orientação sexual tem a ver com afeto, atração e desejo, já o gênero é uma construção histórica e cultural de comportamentos e representações. É perfeitamente natural (pois está na natureza) e não há nada de perversão ou doença nisso, desde 1990 a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doença.  Até então, o homossexual era tratado como caso de saúde pública.

Aguardamos ansiosamente o dia em que a ciência conseguir explicar os genes que determinam tais realidades, que desmistifique de vez a falsa ideia de que escolhemos nossa sexualidade. Não existe opção sexual, ninguém acorda um belo dia e diz “quero ser gay”. Em meio a um mundo heteronormativo, a construção sexual é algo que pode ser penoso, e não raro produz depressão, tentativas de suicídio, rupturas familiares e o pior, o preconceito da sociedade, que pode matar.


Até conseguirmos entender completamente o mecanismo genético que produz nossa vivência sexual, teremos apenas que respeitar, aceitar, e conhecer a diversidade sexual humana, e nesse sentido, Ivana tem nos ensinado muito. Obrigado, Ivana. 

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Uma crítica de esquerda às políticas de direitos humanos no Brasil

Por Adelson Vidal Alves



Chegou a cem o número de policiais mortos no estado do Rio de Janeiro só no ano de 2017. Uma estatística escandalosa que revela um quadro de guerra civil, onde toda uma cidade se vê envolvida em um confronto histórico e aparentemente eterno entre forças do Estado e a tirania do tráfico. O fracasso das políticas públicas e de segurança é revelado em meio a sangue, dor e sofrimento de todos os lados, mas que diante destes números se revela uma vítima nem sempre vista com a devida compaixão da sociedade: os policiais.

Deve ser objeto de reflexão o fato que a morte de policiais é estampada em jornais como algo natural, do tipo “faz parte da profissão”. Não faz. Trabalhamos para ganhar a vida, não a morte. Esses trabalhadores que foram vítimas de balas disparadas pelo crime devem receber a atenção devida da mídia, dos órgãos públicos e, principalmente, dos Direitos humanos.

Aliás, as políticas de direitos humanos, ainda que injustiçada por críticas à direita de que “só se defendem bandidos”, tem pecado ao ganhar roupagens ideológicas, do tipo que enxerga o Estado como um aparelho repressor contra os pobres, e que age sistematicamente para reprimir favelados e exterminar negros e excluídos. Essa visão distorcida da realidade faz com que os militantes e responsáveis por políticas dos direitos humanos acolham as vítimas da truculência policial e ignorem os bons policiais que morrem na linha de frente defendendo a sociedade.

Tal crítica não vem apenas dos infelizes que defendem a tese esdrúxula de que “bandido bom é bandido morto”. Mesmo intelectuais ligados a esquerda já estão abertamente percebendo a incapacidade de muitos em tratar os direitos humanos como algo universal. O filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma, disse: “Por que a esquerda aceitou que os direitos humanos fossem confinados a algo que beneficia uma parte bem pequena da população? (...) A violência policial é brutal (...) mas houve um erro em termos políticos.  Esse erro político foi não salientar o caráter universal dos direitos humanos” [1]

A crítica de esquerda à política de direitos humanos no Brasil não se dá ao fato dela priorizar segmentos mais vulneráveis da sociedade, é óbvio que se deve condenar as execuções extrajudiciais da PM, a prática da tortura, a violação de direitos por parte policiais em suas incursões nas favelas, a forma desumana do nosso sistema prisional. Mas é preciso que esta prioridade não se transforme em exclusividade, a ponto de que policiais queimados vivos por traficantes virem apenas objetos de uma nota de pesar.

É preciso que a esquerda incorpore o valor da humanidade como um aspecto universal, é o ser humano o portador destes direitos, sem exceção. Enquanto a direita combate os direitos humanos com termos pejorativos e de desqualificação, ignorando o direito à dignidade, inata ao ser humano, a esquerda deve reafirmar tais direitos, contra a seletividade ideológica e a favor da universalidade.


 [1] Entrevista concedida para o livro “A crise das esquerdas” Ed. Civilização Brasileira