segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Estado e História

Por Adelson Vidal Alves



O que é História? Marc Bloch responde: “é a ciência dos homens no tempo”. Qual seu objeto de estudo? O mesmo Bloch esclarece: “O objeto de estudo da História, é por natureza, o homem”.

O historiador francês, fundador da Escola dos Annales - esta que revolucionou a metodologia historiográfica no inicio do século XX - nos deixa claro que o papel do profissional de história não é simplesmente vasculhar o passado e depois despejá-lo na sociedade em forma de cronologia e verdade absoluta. Mais que isso “História é ciência do passado e do presente, um e outro, inseparáveis” (Fernand Braudel), e o conhecimento que nasce da pesquisa historiográfica é sempre uma interpretação do historiador, ainda que seguindo uma metodologia.

A “história da História” revelou rupturas e permanências na ciência histórica. Passamos, graças a já citada Escola dos Annales, de uma história factual, concentrada em heróis, datas,  grandes acontecimentos políticos e com ênfase quase que exclusiva em documentos escritos; para uma concepção problemática, que valoriza diversas fontes, dialoga com outras ciências e entende ritmos diferenciados no tempo da História. Aqui, revela-se uma história que não é uma narrativa absolutamente “verdadeira” dos fatos, mas um objeto de disputas, de construção de imaginários que representam a hegemonia de um grupo ou de outro na criação da “História oficial” ou da "História que venceu". A memória da sociedade, assim, está subordinada a uma luta intensa pela hegemonia de uma “versão” da História, escrita conforme a visão de mundo de um grupo. A História, desta forma, jamais é absolutamente neutra.

Diante destas disputas, disse bem Fernand Braudel, em acordo com as varias citações aqui mencionadas, que “a função do historiador é lembrar a sociedade do que ela quer esquecer”. Isto é, provocar o homem e a sociedade quanto ao fato que passado e presente se interlaçam em uma aventura construída pela ação dos homens no mundo e na natureza. Memória significa poder.

Desta forma, percebemos que nos tempos atuais é de fundamental importância a formação de espaços múltiplos de disputas da memória. O lugar natural destas disputas é a academia, lá se constrói o conhecimento histórico como ciência. No entanto, este debate não pode se resumir ao campo acadêmico, um campo que, pelo menos no Brasil, tem grandes dificuldades de conversar com o povo, com as pessoas comuns.

O poder público, no âmbito das políticas públicas de cultura, pode e deve incentivar espaços que envolvam diretamente o cidadão comum no “fazer história”. São bibliotecas, centros de memorias, arquivos, fundações culturais, acervos populares, lugares onde a história não é só conhecida, mas também revista, construída e desconstruída, criticada, questionada ou entendida, tudo através da intervenção popular com utilização de diversas ferramentas. O fornecimento de espaços de memória do poder público para a sociedade, sempre em contato com a academia, configura-se como a democratização das falas da História, setores marginalizados não se desmancham em meio aos eventos espetaculares da vida, mas se somam e problematizam.

O Estado tem condições de ajudar a formarmos um universo plural e democrático no debate da História, junto com a população. Basta aceitar investir em tais propostas como sendo investimento no patrimônio material e imaterial de cada povo. Unidos, sociedade, universidade e poder público podem ajudar na vivência da construção pluralista da História.


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