domingo, 30 de julho de 2017

Duelos toscos no aumento da passagem

Por Adelson Vidal Alves



A tarifa do transporte urbano de Volta redonda ficou mais cara a partir deste domingo, 30 de Julho. O reajuste gira em torno de 15%, o que custará aos passageiros R$ 0,50 a mais em cada viagem. O aumento veio exatamente no momento mais difícil do governo Samuca, em meio a reforma administrativa, troca de secretariado e aparente perda de popularidade. Isso demonstra que o governo está desorientado politicamente, mal conseguiu aprender a lição clássica de Maquiavel sobre o ritmo de se fazer o mal em uma governança*. 

Pior do que isso é o tom que o debate em torno deste tema provocou. De um lado, setores oposicionistas procuraram uma reação imediata a um tipo de ação impopular e de fácil mobilização. Lembremos que em Junho de 2013 foi o aumento da passagem que causou o estopim das grandes mobilizações populares em todo o país. Só que, como tudo que é organizado pelas redes sociais, a mobilização que aconteceu no último dia 28 fugiu de uma agenda unificada, direcionada e consensual. Sem um norte claro e objetivo, os manifestantes chegaram ao ponto de estampar um exagerado cartaz com a palavra de ordem “Fora, Samuca!”, o que soa claramente golpista e fora do lugar.

E não parou nisso. Nas redes sociais, o destempero do discurso anti-Samuca seguiu. A página VR Tretas no Facebook chegou a reclamar da presença de um vereador nas manifestações, acusando-o de oportunismo. O parlamentar na ocasião era Carlinhos Santana (Solidariedade), o único que até hoje se posicionou de forma firme como oposição ao atual governo. A política democrática não só sugere o bom senso de unir forças em momentos como esse - alinhando vozes que falam contra um mesmo alvo - como exige o direito de que todo cidadão pode e até deve se pronunciar de forma livre diante dos acontecimentos da sua cidade. Mas a página citada, amadora e despolitizada, acaba por apenas representar ao clima nefasto de anti-política que contamina o país.

Mas há também o outro lado, o do governo. Ainda que todo cidadão informado saiba que reajustes de preço são normais dentro da economia como um todo, é direito do povo reclamar dos seus abusos. E não é que tem gente distribuindo justificativas toscas para o aumento?

É claro que a administração municipal pode apresentar seu lado na discussão, e no caso aqui até que tentou, mas não convenceu. Sobrou para um gaiato (ou gaiatos) a ideia estúpida de fazer um panfleto virtual que termina seus frágeis argumentos com a seguinte afirmação “QUEM É CONTRA O REAJUSTE DA PASSAGEM É CONTRA O TRABALHADOR!”, justificando o reajuste com a conversa de que a elevação salarial dos funcionários do transporte público passa por um sacrifício de boa vontade no bolso de toda a população. Nem mesmo os empresários mais avarentos e descuidados teriam a coragem de assinar um discurso tão ridículo, mas acredite, teve gente do primeiro escalão do governo que compartilhou o panfleto nas suas redes sociais. Isso é mais que amadorismo, é burrice.

O fato inconteste é que mesmo que o governo não tenha nada a ver com panfleto, os cargos altos de confiança de Samuca parecem completamente fora do mundo real, e como o governo segue sem projeto de cidade, eles desastradamente tomam tais decisões sem nenhum tipo de filtro político do atual bloco no poder, expondo a total falta de uma linguagem comum no ato de governar

Ou o prefeito arruma isso agora, ou corre o risco de ter mais um assessor seu indicando-lhe embaixador fake.

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  * “Quando fizer o bem, faça-o aos poucos. Quando for praticar o mal, é fazê-lo de uma vez só”, escreveu Maquiavel


terça-feira, 25 de julho de 2017

PRONA e Bolsonaro: até onde vai a extrema- direita brasileira?

Por Adelson Vidal Alves



Em tempos de crise de valores como o que vivemos, é comum o aparecimento de saídas radicais ou extremistas na política. Em alguns momentos da história vimos revoluções populares, em outros, golpes de Estado ou crescimentos de discursos que exaltam fundamentalismos. Vivemos dias de eleição de Donald Trump na maior potência mundial, de uma ameaça real de vitória eleitoral de uma semi-fascista como Marine le Pen na França, felizmente bloqueada. No Brasil, o campo do extremismo de direita é ocupado pelo discurso pouco organizado do deputado Jair Bolsonaro (PSC), que aos poucos parece ganhar um companheiro, o PRONA (Partido de Reedificação da Ordem Nacional), que pretende ser refundado. A legenda ficou conhecida pela atuação da figura caricata de Enéas carneiro, com seu bordão “Meu nome é Enéas”.

Assim como Bolsonaro, o PRONA faz uma defesa apaixonada em torno do nacionalismo, que não raras vezes vira xenofobia e ufanismo. Enéas Carneiro defendia a construção de uma bomba atômica e a triplicação do efetivo militar. Seu militarismo e ultranacionalismo o aproximaram por várias vezes dos ideais fascistas.

Hoje, seus seguidores querem recuperar as mesmas bandeiras do líder, com um discurso aparentemente moderado. Fala-se em justiça social, democracia, educação de qualidade etc. Mas no dia-dia, extrapolam no culto à Pátria, incentivam o ódio contra o comunismo, exaltam a família tradicional (uma forma de combater avanços dos direitos homoafetivos) e defendem a “moral e os bons costumes”.

Assim como Bolsonaro, o PRONA é reacionário, pois busca “reedificação” de uma ordem nacional imaginária do passado. Ambos apostam em um civismo controlado, ultra-patriótico, com a escola cumprindo não o papel progressista, mas o de educar para valores de uma ordem conservadora. Tais ideias são distribuídas diariamente nas redes sociais por seus admiradores.

Com Jair Bolsonaro em segundo lugar nas pesquisas presidenciais, perguntamo-nos até onde pode influenciar o pensamento extremista de direita. Ate onde o papo do “bandido bom é bandido morto” pode seduzir mentes incautas e juvenis? Qual é a capacidade deste discurso? É possível que a nação brasileira sucumba à ideologia extremista e proto-fascista a aponto de elegermos um presidente que defende abertamente a tortura e o regime de exceção?

Penso que não. O atual quadro nacional é de desalento, e apesar de muitos estarem avessos às instituições e aos partidos tradicionais, nada parece indicar que a cultura brasileira esteja desprezando valores democráticos e retornando ao clima esquizofrênico da Guerra Fria que fez golpistas se animarem em todo o continente latino-americano.


Bolsonaro bateu seu teto, a pobreza de suas ideias e sua fraca oratória não deixam ele ir além desses que hoje veem nele uma recuperação do Brasil pelo uso de instrumentos enérgicos e coercitivos. O PRONA e Bolsonaro entram querendo jogar o Brasil para o campo reacionário, acreditando que a desilusão do povo pode fazer com que ideais mortos se ressuscitem como reedificadores de uma ordem disciplinada que transformaria o país em uma superpotência. Hitler usou de estratégia semelhante na década de 30 na Alemanha e triunfou. Mas os tempos são outros, e apesar da crise, a democracia brasileira parece ter forças para sobreviver a tal risco. Acredito que o delírio extremista não vencerá, seja como pronismo, bolsonarismo ou eneasismo. 

quarta-feira, 19 de julho de 2017

O arquétipo Hilbert

Por Adelson Vidal Alves



Arquétipos são padrões, modelos e exemplos que criamos para grupos, pessoas, objetos etc. Recentemente o ator Rodrigo Hilbert se tornou o grande arquétipo de masculinidade. Sua intitulação definitiva se deu logo após o próprio construir uma casa na árvore para seus filhos. O “homão” que já cozinhava para esposa agora se elevara a condição de padrão perfeito do que é ser um homem no século XXI. Ah! Ainda tem o rostinho bonito e o belo porte estético (eu pessoalmente prefiro Rodrigo Lombardi, mas mulheres nem sempre tem bom gosto).

O caso de Hilbert é um claro exemplo que arquétipos nem sempre se formam de acordo com a realidade. O homem que cozinha para mulher com certeza não lava a louça, ele deve ter no mínimo duas empregadas. Construir casas na árvore para os filhos é um cotidiano normal em várias regiões do Brasil, e a beleza física, bem,  isso depende da loteria biológica. Mas eu pergunto as mulheres e homens que aceitaram o arquétipo Hilbert: onde fica o caráter, a inteligência, os valores e exemplos de vida em sociedade? Cozinhar para a mulher vale mais que lutar cotidianamente pela inclusão dos direitos femininos? Fazer uma casa na árvore vale mais que participar de lutas intensas por moradia para quem não tem? A beleza vale mais que o caráter?

O fato é que vivemos tempos onde imagens dizem mais que a realidade. São dias de “pós-verdade”, de liquidez moderna. Não precisamos sermos felizes, basta algumas fotos nas redes sociais em supostos momentos de alegria e está tudo certo. Relações perfeitas começaram a existir, o Dia dos namorados expõe o espetáculo (falso) de um mundo cheio de casais apaixonados, e até a crise econômica não foi capaz de eliminar a ostentação de viagens lindas, belos pratos e bebidas sofisticadas. Somos o que convencemos os outros de quem somos.

O arquétipo Hilbert não é só a prova da nossa pobreza de exigência para nossos modelos de vida, mas também a inversão de valores, no qual padrões humanitários cedem espaço para coisinhas toscas fabricadas pela lente de algumas câmeras. Nem heróis sabemos mais fabricar. A coisa está feia! 

domingo, 16 de julho de 2017

Reformar é preciso

Por Adelson Vidal Alves



A Reforma trabalhista talvez não devesse ter sido votada agora. O momento é de crise política, o Congresso vive questionamento moral, ela não tem consenso na sociedade e o Presidente da República é ilegítimo. No entanto, é incontestável o fato que precisávamos reformar nossa legislação trabalhista.

A CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) foi criada em 1943, na ditadura do Estado Novo e influenciada pela Carta del Lavoro do fascismo italiano. Os tempos eram outros, não só por estarmos vivendo em um regime autoritário, mas também por que a economia girava em torno de outros padrões. O Estado era tratado como provedor da felicidade individual, responsável exclusivo pela resolução dos problemas e conflitos sociais. De lá pra cá, passamos por revoluções tecnológicas, mutações profundas no mundo do trabalho e deixamos o modelo de produção fundado em trabalhadores especializados trabalhando em grandes unidades produtivas. A produção foi diversificada, o trabalhador tornou-se multifuncional e o mundo definitivamente assumiu os rumos irreversíveis da globalização.

Pouco mais de 70 anos depois, a realidade cobra eficiência, menos regulação do Estado, dinamismo, competitividade e relações de trabalho mais modernas. Se a Reforma trabalhista de Temer por um lado promove mudanças que soam retrocesso, como a prevalência do negociado sobre o legislado, por outro, abre-se oportunidade de amadurecimento das lutas trabalhistas, favorece o trabalhador informal e aponta para formação de novos postos de trabalho. Os direitos constitucionais foram mantidos, as principais conquistas dos trabalhadores não poderão ser mexidas. Sem falar que o fim do Imposto sindical é um golpe fatal no sindicalismo pelego. Sindicato que quiser manter-se de pé terá que ir às bases. Trata-se de uma derrota para os burocratas de gabinete.

Reformas como a trabalhista e da Previdência são necessárias. Os números do desemprego são alarmantes, passamos de 6 milhões de desempregados em 2014 para 14 milhões. Isso porque os empregos gerados vinham dos bons ventos da economia internacional, os postos de trabalho que foram criados estavam condicionados à manutenção dos níveis de crescimento em que o mundo girava. Como a crise econômica chegou, desapareceram milhões de empregos.

A atual situação de desemprego poderia ser diferente, isso se o PT tivesse deixado de lado seus dogmas estatistas e nacional-desenvolvimentistas e operado reformas estruturais modernizantes. Teríamos um mundo do trabalho mais dinâmico e moderno. Mas a opção petista foi manter um Estado inchado, exageradamente interventor, paternalista e pesado. O fracasso dos “Campeões nacionais” representa esse grande erro de rumo.

Debaixo de desconfiança da sociedade as reformas estão encaminhando. Elas ganharam vida própria, não dependem de qual governo temos. Mesmo que os tempos sejam de incertezas, as mudanças, nem sempre fáceis, precisam acontecer. Dentro dos parâmetros democráticos elas são bem vindas, um Brasil moderno depende disso.


segunda-feira, 10 de julho de 2017

Maia na presidência

Por Adelson Vidal Alves



São quase 14 milhões de desempregados, uma economia praticamente estagnada, manobras para frear a Lava Jato, denúncias cotidianas de corrupção que atingem em cheio o Palácio do Planalto. Tá na hora do governo Temer acabar.

Mesmo que o atual presidente da Câmara dos deputados , Rodrigo Maia (DEM), substituto legal de Temer , não seja o nome ideal, é o único que dentro da Constituição pode assumir o papel de condutor da transição presidencial até 2018. Sim, porque já há algum tempo não falamos de um governo nos termos normais da palavra, mas de uma “pinguela” que nos garanta travessia razoável até o próximo pleito.

Temer recebeu esta função legitimamente e legalmente, mas foi atingido pela imoralidade e ilegalidade que cometeu e lhe deu altos índices de impopularidade, o que fez sua presença no comando do país algo prejudicial aos interesses da nação. O Congresso Nacional, até então nas mãos do presidente, cada vez mais cede à pressão dos fatos, e indica que fará o papel que o TSE não fez: ajudar a desalojar do poder uma figura ilegítima e nefasta para os interesses nacionais.

A saída de Temer e a entrada de Maia devem vir de um pacto que envolva o conjunto completo das forças democráticas, incluindo setores da oposição. O argumento é simples: não há outra via plausível para que possamos repor o país no caminho da tranquilidade democrática. Disso dependem a retomada da economia, a volta dos investimentos, a queda da inflação e a melhoria real do quadro social brasileiro. Em outras palavras, uma sobrevivência estável até a posse do novo presidente pela soberania popular.

Não há razões para pensar outro rumo. Rejeitar Maia é aceitar Temer, a não ser que se insista no falecido discurso das Diretas Já!, a meu ver, até então a opção mais democrática desde o impasse pré-impeachment, mas que não se viabilizou, e hoje, tornou-se irrealizável.

Pode-se pensar em estratégias e articulações, como a que condiciona um futuro governo Maia à interrupção do ritmo das polêmicas reformas, mesmo que soe infrutífera tal proposta. No fim, entretanto, é preciso defender a posse de Maia, inevitavelmente, é a solução possível para que retornemos à estabilidade institucional.

Finalizando, devemos ter em mente que a queda de Temer não tem apenas razões políticas, o que seria golpe, mas uma combinação entre sua quase completa condição de não governar e os crimes visíveis que cometeu ou foi cúmplice no decorrer do seu breve mandato presidencial. Para que tudo isso que falamos aconteça, contudo, esperamos ainda que, aceita a denúncia, o STF cumpra seu papel de afastar Temer. Ai sim, teremos o fim de um breve e conturbado governo e o inicio de uma nova travessia que esperamos ser a definitiva até 2018.


quarta-feira, 5 de julho de 2017

Samuca mudou sua equipe, mas o que precisa mesmo é mudar os rumos do seu governo

Por Adelson Vidal Alves



Depois de sucessivas quedas de secretários e cargos do primeiro escalão, o prefeito Samuca resolveu mexer no todo do seu governo. Nomes foram remanejados, caras novas chegaram, novos acordos e alianças foram construídos de olho na governabilidade. É o prefeito, enfim, se curvando a política da realidade, tentando fugir da Ilha das fantasias em que morou até agora.

A sinalização é boa e cria expectativas de mudanças. Mas o que tem que ser mudado, de fato, são os rumos da administração. Se os novos nomes e as novas composições de governo não se reorientarem, tudo permanecerá como antes. O prefeito, que cada vez mais fica refém da disputa interna de sua base, composta de empresários, vereadores e algumas lideranças, precisa tomar o timão de volta, apontar um projeto e organizar seu “grupo” em torno de um projeto, antes que o cabo de guerra infrutífero comece.

A reforma administrativa, grande incógnita que pode mostrar alguma nova direção administrativa, foi celebrada como o símbolo da austeridade, mas tem brechas claras que podem promover o inchaço ainda maior do Estado, em geral, ela não amarrou a gestão dos recursos públicos a uma exigente redução dos custos, apontou economias, mas também gratificações fora de época, fusões estranhas de secretarias e a possibilidade de criar outras, sem falar na invenção de cargos de subsecretários por todo o lado.

Além disso, é preciso que a população sinta o retorno do governo, e isso significa geração de empregos, ampliação da rede de proteção social, melhoria nos serviços e na renda dos cidadãos voltarredondenses.

Aqui, Samuca vai precisar estabelecer um projeto de cidade, fundado em uma política de ajuste fiscal que amenize os custos do poder público, uma política fiscal que cobre dos grupos mais favorecidos, e a extensão das ações de governo em direção as periferias e áreas prioritárias como saúde, educação e emprego.

Os resultados virão a médio e longo prazo, mas é preciso arrumar a casa desde já, deixar de lado a desastrosa política de comunicação que tanto feriu imagem do prefeito, estabelecer uma governança de coalizão, mas dentro de um rumo a ser seguido, no qual os que se recusarem a aceita-la devem deixar o governo. O projeto de cidade que aqui falo deve ser construído levando em consideração a pluralidade do arco de alianças montado pelo governo, mas feito o pacto, é preciso que todos falem a mesma língua.

Convencido de que governar nas redes sociais e culpando o ex-prefeito é algo inútil, e que para uma administração andar os atores políticos, coletivos e individuais, devem pelo menos ser ouvidos, Samuca tem campo livre para enfim iniciar sua “gestão”. Caso suas mudanças não sejam capazes de redirecionar seu governo, por conta da manutenção de uma teimosia de gerência, ai então será o caso de contar os dias até o fim de seu primeiro e único mandato.



domingo, 2 de julho de 2017

Marx, Estado e reformismo

Por Adelson Vidal Alves

 PD, antigo Partido Comunista Italiano, um partido nas trilhas do reformismo


O que é o Estado? A quem ele serve? Durante séculos os teóricos da política respondem tais questões de diversas formas. No entanto, algo parece ser consensual na história do pensamento político: o Estado em todas suas formas históricas teria como característica principal o elemento da força. De Hobbes a Max Weber, de Marx a Gaetano Mosca, todos concordam que a constituição estatal exige um núcleo de onde emana a coerção e a violência como forças legítimas. Resta-nos perguntar em favor de que ou de quem se emprega o uso destas forças.

Marx pensou o Estado não como a síntese perfeita da vontade universal, como fez seu compatriota Hegel. Ao contrário, o filósofo comunista envolveu o momento estatal em um adjetivo de classe. Isto é, ele serviria como garantia de dominação de uma classe sobre as outras, sendo tão somente o “comitê executivo das classes dominantes”. A violência estatal legitimada do Estado capitalista, por exemplo, serviria para manter o domínio burguês.

No seu tempo, o autor de O Capital estava correto, já que a participação popular nas decisões de poder era mínima.  Quando o Manifesto foi escrito sequer existiam os partidos políticos.

Mas a luta dos subalternos alterou essa realidade, produzindo uma série de espaços que incentivam a socialização do poder, como o aparecimento do parlamento democrático, o sufrágio universal e a mídia plural. A partir de então, não bastaria a força e a dominação, exige-se a construção de consensos. Marx não viveu para ver esta extraordinária ampliação do momento estatal, por isso, sua teoria revolucionária como um assalto violento ao poder se torna desatualizada. 

O marxismo democrático, então, se inscreve em uma tradição de corte reformista, exposta brilhantemente na obra de Antônio Gramsci, e politicamente desenvolvida, sobretudo, a partir da proclamação por Enrico Berlinguer da democracia como valor universal, não mais de classe. A democracia ganha status de conquista civilizatória que supera interesses classistas particulares.

O reformismo, aqui, deve ser visto não como pequenas alterações na ordem, mas sua transformação estrutural. Reformar o Estado e a política pode apontar na direção de outra ordem social, porém, os rumos desta construção devem observar as regras da democracia e manter um clima pacífico.

A social-democracia, portadora natural do projeto reformista, foi capaz de estabelecer conquistas importantes para os trabalhadores no quadro do capitalismo, mas sua atuação na Europa foi insuficientemente reformista, recuando sempre quando o ritmo das reformas entrava em choque com a ordem do capital. Seu exemplo, no entanto, confirma a tese de que somente caminhando pelas instituições e em espirito irrevogavelmente democrático é possível pensar mudanças seguras e consistentes.

O reformismo que dialoga com a teoria revolucionária é aquele que opera ações graduais no campo democrático, sempre pluralista e formador de consciência coletiva, indo pela estrada de transformações na cultura, diminuindo cada vez mais os valores que se chocam com a civilização e fortalecendo conquistas de corte humanitário e em consonância com a luta contemporânea por mais justiça. Este desafio, nos nossos tempos, passa pela construção de uma esquerda democrática, um desafio atual que ainda aguarda seus frutos.