segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O racismo no Brasil atinge as classes sociais de forma diferente

Por Adelson Vidal Alves



Em Julho de 2015 a jornalista Maria Julia Coutinho, a Maju, foi vitima de racismo na pagina do Jornal Nacional no facebook. Seus colegas de emissora tomaram suas dores e o povo brasileiro a acolheu com a hashtag #somostodosMaju. Taís Araujo, em palestra recente, disse que “a cor do meu filho faz com que pessoas mudem de calçada”. A atriz generalizou um comportamento de segregação que nos faz lembrar países como os EUA, onde bebedouros e acentos de ônibus eram diferenciados para brancos e negros. Marieta Severo, colega global de Taís, também expôs publicamente sua preocupação com o neto, dizendo que “doi saber que meu neto apanha de seguranças por ser negro”. Por fim, o casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank teve que ver sua filha adotada ser alvo de um racismo tosco proferido pela socialite Day Mcarthy, que chamou a menina de “macaca”, em um vídeo apavorante.

As citações acima fazem parte de uma justa preocupação nacional com a prática racista, ainda presente no nosso cotidiano. Mas por aqui, nosso racismo tem características particulares, fruto de uma história que não foi atravessada por leis raciais discriminatórias, aos moldes do nosso vizinho do Norte. A escravidão negra que assolou o Brasil por mais de três séculos encurralou negros em um destino perverso, mas que se construiu não em torno de uma “opressão racial”, mas sim por uma lógica econômica nascida do sistema colonial. O racismo, assim, tem raízes que se deitam em elementos singulares de nossa história e atinge os brasileiros de forma diferenciada.

Os casos citados acima ganharam os jornais por conta da exposição das celebridades envolvidas. Ainda que não se deva aceitar atenuantes para o racismo, é necessário compreender a forma diversificada que ele age e suas vítimas mais recorrentes.

É verdade que um racista -  com a estúpida crença que a cor da pele revela graus de moralidade e capacidade cognitiva -  age contra uma “raça” e não contra uma “classe social”, mas parece-me claro que as vitimas mais recorrentes dessa prática horrenda são os pobres que vivem na periferia.

Os filhos dos globais não estão livres do preconceito racial, mas a chance de serem abordados e agredidos pela ação policial, quase que restrita às comunidades carentes, é quase zero. O mesmo se dá na procura de uma vaga de emprego onde se exige foto no currículo. Na pior das hipóteses, os filhos negros das classes de cima podem acionar advogados e fazer com que a justiça seja feita em um país onde o acesso do pobre à Justiça é precário.

Os dados censitários mostram que entre os grupos socialmente mais vulneráveis estão os pardos, esse grupo racial que representa nossa história de miscigenação. Os negros, pouco mais de 14% da população, também são número alarmante aqui na parte debaixo, e assim como os pardos, são as vitimas preferenciais dos preconceitos que o Estado brasileiro ainda usa através de suas instituições. Para nos livrarmos disso, somente investindo em uma cultura de desracialização, persistir na construção de um ambiente onde a cor da pele seja apenas resultado genético do efeito de melanina na configuração da pigmentação da pele. É hora de resgatarmos o sonho de Martim Luther King, onde a cor de uma pessoa não seja base para qualquer julgamento.  


domingo, 12 de novembro de 2017

Waack é o sacrifício expiatório do nosso racismo

Por Adelson Vidal Alves



Algumas pesquisas recentes revelam que 97% dos brasileiros negam ter preconceito de cor, mas admitem conhecer alguma pessoa racista. Ou seja, “o racismo no Brasil existe, mas eu não sou racista”.

Tal comportamento revela um país ciente que ainda pena a desgraça do racismo - mas ao contrário de outras nações que chegaram a se orgulhar do seu racismo – o Brasil sente vergonha por essa mácula, e não aceita ninguém que se comporte com esse sentimento na esfera pública, com pena de ser esmagado e destruído na sua vida social e profissional. Este foi o caso do jornalista William Waack, com a diferença que o seu limbo foi preparado a partir da filmagem de uma conversa privada, e guardada durante um ano, sabe se lá porque, até acender o fogo da inquisição virtual e o sacrifício expiatório de um dos maiores jornalistas brasileiros.

Condenamos as palavras de Waack com toda a razão. Foi horrendo, bárbaro, nojento, monstruoso. O racismo é monstruoso. Mas Waack seria racista?

A trajetória política e profissional de Waack jamais apresentou algo que nos faça imaginar que ele seja racista. Só por questão de explicação, ser racista implica o comportamento sistemático que parte da crença que raças humanas existem e são hierárquicas. O âncora global, ao contrário, sempre se apresentou como homem politicamente moderado, inteligente e advogado da tolerância, em vários episódios ele foi voz lúcida no clamor por diálogo, respeito e equilíbrio. Mas nesse momento isso parece não importar para aqueles que desejam o sacrifício de Waack em praça pública.

Alguns agem assim porque querem que ele expie nossos próprios pecados raciais, pecados que são frutos de uma história que penalizou seres humanos a três séculos de escravidão perversa. Essa mancha vergonhosa de nossa história impôs em nossa consciência o sentimento de racismo, combatido dia-dia, e com relativo sucesso, pelo Estado e a sociedade brasileira. Isso quer dizer, porém,  que nenhum de nós está absolutamente livre de proferir algum preconceito na vida. Estamos contaminados, e isso é preocupante, mas deve ser diferenciado da prática racista militante e voluntária.

No Brasil persistem grupelhos organizados que se orgulham da supremacia branca, estão na internet, divulgando ideias que propagam a superioridade da raça ariana. Esses devem nos preocupar, mas nem de longe representam a realidade brasileira, que é de um racismo acuado, cultural e de consequências particulares de nossa história.


Ao expormos nossa indignação com a fala de Waack, estamos de certa forma nos absolvendo, faz bem para nossas consciências.  No entanto, o sacrificio solitário de um profissional errante servirá muito mais para a política daqueles que sempre se incomodaram com suas ideias do que para verdadeiramente vencer o racismo. 

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

“Ideologia de Gênero” e as crianças

Por Adelson Vidal Alves



 A sexualidade de nossa espécie é complexa e contraria o senso comum, que no ocidente sempre repousou na mitologia judaico-cristã, segundo o qual a natureza humana “normal” seria macho ou fêmea, naturalmente ajustada no corpo e na identidade individual, como sugere o mito de Adão e Eva. Tal pensamento só pode se sustentar em uma visão míope, fundamentalista e preconceituosa, alimentada por dogmas religiosos para lá de atrasados. Entender a realidade exige muito mais que crendices medievais.

De inicio, devemos entender a diferença entre sexo biológico, orientação sexual e gênero. O primeiro tem a ver com combinações biológicas, que basicamente formam homem e mulher; a segunda está ligada a atração sexual, não “opção sexual”. É orientação porque a história de cada um vai revelar afetividades múltiplas nos indivíduos; que não são escolhas, nascem com as pessoas. Por fim, falamos de gênero, algo complexo que está ligado aos símbolos, comportamentos e representações sociais construídos no tempo e no espaço. Daqui, surge a proposta de entendermos que o corpo não revela necessariamente a identidade de gênero, que é diversa, e para alguns, inclassificável. Compreender esta situação resulta na interpretação do mundo não como um lugar meticulosamente planejado e ajustado do ponto de vista sexual, mas uma complexidade ainda a ser compreendida totalmente.

Diante desta constatação, óbvia para qualquer mente minimamente atenta, a sociedade, os governos, os educadores e os pesquisadores vem propondo um debate dentro das escolas, com nossas crianças, que tem o direito de conhecer o mundo que vivem, sendo orientadas a se comportar conforme os paradigmas dos direitos humanos.

No entanto, do mundo conservador e retrógrado aparecem gritarias das mais bizarras, que se dizem defensoras das crianças. Ora, a escola é o espaço por excelência do conhecimento, da discussão e do debate. Cercear o direito de professores falarem às crianças sobre diversidade sexual e a necessidade da tolerância é uma violação à liberdade de expressão e uma condenação prévia da criança a ser privada de conhecimentos importantes sobre o mundo em qual vivem e se desenvolvem.

Qual o medo dessa gente? Que professores transformem seus filhos em homossexuais? Ou quem sabe alunos sejam incentivados a transarem com o coleguinha da carteira da frente? Quanta bobagem!

O objetivo do debate sobre gênero e sexualidade nas escolas é tão somente adicionar informações novas no universo escolar, nada disso desautoriza a família na educação das crianças, não desrespeita a religiosidade e nem doutrina cabeças inocentes a se tornarem “devassas”.

O combate boçal dos reacionários contra uma proposta tão simples e progressista reflete um mundo ainda em marcha à ré moral. O resultado é sempre prejudicial à construção de uma sociedade mais cívica, justa e fraterna.