sábado, 30 de abril de 2016

Liberdade sexual e capitalismo

Adelson Vidal Alves



Em 2014, como resposta as declarações homofóbicas do então candidato a presidente da República Levy Fidelix, a comunidade LGBT promoveu uma série de “beijaços gay” em todo o país. Em um desses atos, chamou atenção o cartaz de um manifestante, onde se lia “A homofobia só será vencida quando derrubarmos o capitalismo”.  A ideia central era relacionar o sistema do capital a todos às formas de opressão, incluindo a sexual.

No entanto, a dominação econômica de uma classe sobre outra, não necessariamente inclui repressões de orientação moral. Pode, sim, ser a gênese de opressões com caráter de gênero. É o caso da mulher, que dentro da família tradicional burguesa, sofre a exploração do homem dentro do seu lar famíliar.

Mas no que tange questões sexuais, o capitalismo pode conviver muito bem com a cada vez mais presente liberdade sexual. O historiador Eric Hobsbawn certa vez lembrou bem em um dos seus artigos que o sistema escravocrata não impôs aos escravos nenhum tipo de obrigação quanto a comportamentos sexuais, demonstrando claramente que a dominação econômica pode permitir aos oprimidos formas de vivência sexual que não alteram as relações de dominação classista. No capitalismo, é nítido que o número de parceiros sexuais de uma mulher, as surubas, ménages  e beijaços homossexuais em nada afetam a estrutura capitalista, ao contrário, em alguns casos pode servir como um divertimento alienador e até mesmo fonte de lucro. Hoje é cada vez maior o investimento em sex shop e produtos de exclusividade ao público LGBT.

A fonte, então, para o uso do preconceito contra práticas sexuais livres, está na cultura, que ao contrário do que pensa os marxistas ortodoxos, não é reprodução automática da infraestrutura econômica, mas construção da disputa que se dá na batalha das ideias, que tem relativa autonomia em relação as bases materiais que sustentam um determinado modo de produção.

Nesse aspecto, há de se atentar para a história cultural de cada país, no qual, em grande parte dos casos, destaca-se o elemento religioso. No Brasil, por exemplo, é forte a presença do catolicismo romano em nossa história, e sua influência moral atinge milhões de brasileiros. O protestantismo militante também ganhou força nos últimos anos, e se constituíram, ambos, como núcleo de resistência a aceitação legal de novas formas de união e relacionamento sexual.

Em nossa persistente luta para formarmos nossa república, é de grande importância insistirmos na caracterização laica da sociedade e do Estado brasileiro. Aqui está o verdadeiro campo de batalha para que às liberdades individuais, pilar indispensável em um sistema democrático republicano, seja respeitado também na esfera sexual. Essa luta, então, não passa necessariamente em derrubar o capitalismo, até por que, em muitos regimes “socialistas” o comportamento sexual foi severamente controlado. Até os anarquistas defendiam certos códigos morais, como o de não beber e edificar relações monogâmicas ainda que sem casamento. A grande questão é a cultura, e nesse aspecto, o capitalismo está parcialmente absolvido. 

segunda-feira, 25 de abril de 2016

A carta dos artistas de Volta Redonda

Por Adelson Vidal Alves



Uma carta de artistas de Volta Redonda e região contra o impeachment, publicada no último dia 16 de Abril em um jornal de circulação diária no Sul Fluminense, recebeu várias críticas, mas também adesões. O documento acusava um “golpe do Judiciário” contra Dilma, e pedia união de todos pela democracia.

O texto é recheado de contradições e equívocos. A começar pela acusação de “Golpe do Judiciário”, quando o impeachment é prerrogativa constitucional do Congresso Nacional, e o STF apenas fez por estabelecer o rito do julgamento, não tendo poder para reverter a decisão que será sacramentada no Senado. Fala-se ainda em julgamento de exceção, quando todo o caminho processual respeitou as determinações do STF e da Carta Magna, com direito a ampla defesa.  

De forma bisonha, ainda, falam que direitos estão ameaçados, como o de expressão e organização. Mas de onde raios tiraram isso?  E pior, alardeiam a perda de direitos sociais em um eventual governo Temer. O que dizem tais artistas sobre o retrocesso que o governo Dilma aplicou no seguro desemprego, no seguro defeso e na pensão das viúvas? O que dizem sobre a redução de investimentos nas universidades, muitas delas a beira de fecharem as portas? O que dizem eles sobre a inflação, o desemprego e a falta de reformas estruturais? Os direitos que eles reclamam já estão sob risco em todos os governos petistas, todos eles parceiros de banqueiros, latifundiários e grandes empresários.

O mais absurdo, no entanto, é quando pede-se fim da corrupção e acusa-se o juiz Sérgio Moro de “marionete da burguesia nacional”. Patético. Só cegos e cínicos não enxergam a importância da Operação Lava Jato no Brasil, que colocou na cadeia dezenas de criminosos de colarinho branco, e que promete reformular a relação das instituições do país, a exemplo da Operação mãos limpas na Italia. Mas o objetivo da carta não é defender democracia, mas um governo e um partido, por isso o ódio a Moro.

A tristeza é saber que homens e mulheres que deveriam prezar pelo bom debate se prestam ao ridículo de apresentarem um documento tão raso politicamente, cheio de erros grosseiros que põe a nu a total ignorância no assunto, mais parecendo um panfleto rascunhado com informações da Wikipédia.


Para mim, fica claro mais um dos tantos danos petistas a política nacional: a cooptação de setores inteiros da sociedade para dentro do status quo, transformando-os em soldados de uma fantasia esdrúxula convertida em narrativa política. Os artistas de Volta Redonda se prestaram a esse papel. 

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Dias decisivos

Por Adelson Vidal Alves



Está prevista para a próxima segunda-feira, 11, a votação do relatório que pede o impeachment da presidente Dilma Roussef. A poucos dias deste fato histórico, a disputa é imprevisível, com o governo usando dos cargos públicos para tentar atrair aliados menores e conseguir os 172 votos contrários ou de abstenção capazes de livrar a destituição da mandatária central do Executivo.

Esta batalha se dá em meio a uma sociedade em ebulição por soluções constitucionais da crise, com propostas vindas de todos os lados. Há quem queira o impeachment de Dilma, puro e simples, outra parte quer eleições gerais, para a presidência e para o Congresso nacional, e um terceiro grupo que se concentra na cassação no TSE e a chamada de um novo pleito presidencial.

As três propostas tem problemas. O impeachment, legal e com abundância de provas, é o meio mais provável e rápido de tirar Dilma do governo, mas o ato isolado não resolve grande coisa. Na linha sucessória de governo está Michel Temer e seu PMDB, que foram cúmplices dos desmandos de Dilma. Com a saída da presidente, metade do problema se resolveria e a outra metade estaria governando, sem autoridade moral para reunir o país em torno de um pacto nacional, quando o próprio vice-presidente é réu da operação Lava Jato.

A chamada de eleições gerais demandaria a aprovação de uma emenda constitucional, exigindo que 2/3 dos deputados e senadores abrissem mão de seus próprios mandatos, uma situação inimaginável no momento.

Por fim, a terceira proposta, pensada a partir do julgamento do TSE, onde está concentrada as maiores provas de que Dilma cometeu crimes para ser reeleita, o que seria passível de cassação da chapa e a convocação imediata de uma nova eleição. Só que o próprio TSE admitiu que o julgamento só deverá acontecer em 2017, jogando o Brasil numa fogueira de desgoverno por pelo menos mais um ano.

Sem consenso, as forças que querem Dilma fora da presidência precisarão tomar uma decisão. Se votarem contra o impeachment ou se absterem, estarão livrando o mandato de Dilma, de modo que mesmo aqueles que tem ciência de uma saída incompleta para a crise via impeachment, deveriam votar pelo impedimento da presidência, a fim de garantir, pelo menos, um ambiente menos propício a intranquilidades institucionais, mesmo que o ideal siga sendo perseguido, ou seja, que o povo seja chamado a decidir por um novo governo, sem Dilma e sem Temer. Até lá, é bom que Dilma fique afastada.



domingo, 3 de abril de 2016

O ingovernável Brasil de Dilma

Por Adelson Vidal Alves



A presidente Dilma diz que impeachment sem crime é golpe, e ela tem razão. Mas também é verdade que o processo de impedimento que corre contra ela tem acusações muito sólidas, e respeita o rito estabelecido por nossa suprema corte, logo, falar em golpe nessa situação é pura mistificação.

O resultado do julgamento do impeachment depende de elementos jurídicos e políticos, mais políticos talvez. Mas a política só se dá depois de um fato jurídico constituído, hoje, expresso em pedaladas fiscais e outros crimes.

Além disso, o elemento político se torna ainda mais importante devido ao visível isolamento de Dilma, seja pela crise econômica, pela perda de sua base parlamentar de sustentação e também pelas enormes manifestações de rua. Para piorar, o PMDB, principal aliado da presidente, desembarcou do governo e promete engrossar o bloco pró-impeachment. Para se livrar, o governo vai vender cargos em troca de votos, para os partidos que sempre ocuparam papéis menores enquanto o partido do vice-presidente Michel Temer esteve apoiando o planalto.

Toda essa situação, somado ao baixo nível de popularidade de Dilma, inferior a 10%, joga o Brasil numa situação de ingovernabilidade. Mesmo se a presidente escapar do impeachment, ela não terá condições para governar. Não conseguirá recuperar uma coalizão de governo que garanta a aprovação de projetos de interesse governamental, sem falar que seguirá enfrentando a possibilidade de cassação, no TSE.

Enquanto Dilma seguir a frente da República, o ambiente político será hostil à construção de um pacto nacional, e a crise econômica tem tudo para se agravar, piorando a tensão social e mobilizando nervos que colocam em risco o clima de tranquilidade democrática que o momento exige.

Como a renuncia de Dilma dificilmente acontecerá, o país aguarda impaciente o desfecho da instabilidade política. E esperamos que a turbulência tenha fim com a construção de uma unidade nacional em torno de bandeiras contra a crise. E se Dilma não tem mais condições de governar, tampouco seu vice tem alguma autoridade moral para tal. A chamada de novas eleições com a saída da chapa presidencial seria a saída mais eficiente e democrática. Essa possibilidade é real, e repousa hoje no TSE, de onde me parece poder sair a melhor solução.