segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Contra o estatismo, o liberalismo social

Por Adelson Vidal Alves



Durante o segundo governo Lula e todo o mandato de Dilma, prevaleceu no Brasil uma política econômica desenvolvimentista. O Estado era visto como o indutor do desenvolvimento nacional, taxando importações, intervindo no mercado, orientando investimentos e despejando dinheiro público em setores da economia vistos como ”campeões nacionais”. Simultaneamente, predominou políticas sociais de grande alcance, ainda que de caráter compensatório.

Tais medidas renderam ao lulopetismo um discurso triunfalista, excessivamente otimista quando à modernização e resolução de nossos problemas sociais históricos. No entanto, o modelo econômico desenvolvimentista - anacrônico como foi aplicado - é inviável em longo prazo, pesado e caro. Por isso, nosso país pena hoje um endividamento enorme, inflação alta, desemprego com números alarmantes e uma relação promíscua entre instituições estatais e o mercado, conforme relatos da Policia Federal e da Operação Lava Jato.

Apesar disso, parte da esquerda brasileira e dos movimentos sociais segue insistindo em uma versão política estatista e intervencionista, opondo-se aos ajustes fiscais e as reformas econômicas necessárias, como a reforma trabalhista e da Previdência.

Para vencer uma agenda tão atrasada, que caso saia vencedora nos transformará em uma Venezuela, faz-se necessário a construção de um programa político que seja vencedor em 2018, organizado em torno do que eu chamaria de “liberalismo social”.

“Liberal” porque o eixo deste programa deve girar em torno de orientações liberais, como austeridade fiscal, algumas privatizações, fomento ao empreendedorismo, autonomia do Banco Central e redução da participação do Estado na economia. “Social” devido ao fato de que as políticas de combate a pobreza devem seguir em progressiva expansão, a principio em caráter assistencial, mas combinada com medidas estruturais que promovam menos desigualdade social e regional, educação e saúde universais no acesso e na qualidade.

Para que vença este projeto, será necessário um pacto político plural que convirja ao centro, envolvendo partidos, associações civis e o parlamento. O objetivo comum é a recuperação da economia brasileira, em respeito a democracia e a Constituição,  dentro de uma estratégia reformista e sempre em busca de consensos progressivos.


Em 2018,  o Brasil tem uma solução programática, que pode vencer o populismo do atraso e o autoritarismo político que, de forma ambígua, exalta o ultraliberalismo econômico. O liberalismo social é uma opção. 

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Estado e História

Por Adelson Vidal Alves



O que é História? Marc Bloch responde: “é a ciência dos homens no tempo”. Qual seu objeto de estudo? O mesmo Bloch esclarece: “O objeto de estudo da História, é por natureza, o homem”.

O historiador francês, fundador da Escola dos Annales - esta que revolucionou a metodologia historiográfica no inicio do século XX - nos deixa claro que o papel do profissional de história não é simplesmente vasculhar o passado e depois despejá-lo na sociedade em forma de cronologia e verdade absoluta. Mais que isso “História é ciência do passado e do presente, um e outro, inseparáveis” (Fernand Braudel), e o conhecimento que nasce da pesquisa historiográfica é sempre uma interpretação do historiador, ainda que seguindo uma metodologia.

A “história da História” revelou rupturas e permanências na ciência histórica. Passamos, graças a já citada Escola dos Annales, de uma história factual, concentrada em heróis, datas,  grandes acontecimentos políticos e com ênfase quase que exclusiva em documentos escritos; para uma concepção problemática, que valoriza diversas fontes, dialoga com outras ciências e entende ritmos diferenciados no tempo da História. Aqui, revela-se uma história que não é uma narrativa absolutamente “verdadeira” dos fatos, mas um objeto de disputas, de construção de imaginários que representam a hegemonia de um grupo ou de outro na criação da “História oficial” ou da "História que venceu". A memória da sociedade, assim, está subordinada a uma luta intensa pela hegemonia de uma “versão” da História, escrita conforme a visão de mundo de um grupo. A História, desta forma, jamais é absolutamente neutra.

Diante destas disputas, disse bem Fernand Braudel, em acordo com as varias citações aqui mencionadas, que “a função do historiador é lembrar a sociedade do que ela quer esquecer”. Isto é, provocar o homem e a sociedade quanto ao fato que passado e presente se interlaçam em uma aventura construída pela ação dos homens no mundo e na natureza. Memória significa poder.

Desta forma, percebemos que nos tempos atuais é de fundamental importância a formação de espaços múltiplos de disputas da memória. O lugar natural destas disputas é a academia, lá se constrói o conhecimento histórico como ciência. No entanto, este debate não pode se resumir ao campo acadêmico, um campo que, pelo menos no Brasil, tem grandes dificuldades de conversar com o povo, com as pessoas comuns.

O poder público, no âmbito das políticas públicas de cultura, pode e deve incentivar espaços que envolvam diretamente o cidadão comum no “fazer história”. São bibliotecas, centros de memorias, arquivos, fundações culturais, acervos populares, lugares onde a história não é só conhecida, mas também revista, construída e desconstruída, criticada, questionada ou entendida, tudo através da intervenção popular com utilização de diversas ferramentas. O fornecimento de espaços de memória do poder público para a sociedade, sempre em contato com a academia, configura-se como a democratização das falas da História, setores marginalizados não se desmancham em meio aos eventos espetaculares da vida, mas se somam e problematizam.

O Estado tem condições de ajudar a formarmos um universo plural e democrático no debate da História, junto com a população. Basta aceitar investir em tais propostas como sendo investimento no patrimônio material e imaterial de cada povo. Unidos, sociedade, universidade e poder público podem ajudar na vivência da construção pluralista da História.


quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O movimento operário dá adeus

Por Adelson Vidal Alves



Quando Marx escrevia a maior parte de seus textos militantes a Europa era o centro da efervescência industrializante. A nascente classe operária do século XIX impressionou não só o filósofo alemão, mas todo o campo revolucionário. Quem duvidaria que uma multidão de trabalhadores ligados por uma condição de opressão seria capaz de por abaixo o sistema capitalista? A história apontava o coveiro do capitalismo.

No entanto, caso Marx acordasse hoje, o que ele veria é o seu operariado fabril agonizando. O movimento em quem ele tanto apostou é insignificante diante dos grandes conflitos contemporâneos. São os coveiros do capitalismo que estão indo para a cova.

As razões para esse refluxo irreversível são várias: a reestruturação produtiva, a globalização, a revolução tecnológica, a mutação no mundo do trabalho. A internacionalização da economia exige empresas mais eficientes, menos braços e mais máquinas. A operação produtiva está robotizada, exigindo cada vez menos a participação humana. Diante disso aparecem novas técnicas de gerenciamento, que afetaram diretamente na consciência das classes, produzindo sindicatos mais negociadores e menos radicais nos enfrentamentos. As greves acabaram, fracassaram. As Centrais Sindicais só aparecem para organizar sorteios de brindes e mega-espetáculos no 1 de Maio.

Não é que a luta de classes tenha desaparecido, ela se modificou e perdeu relevância. A classe trabalhadora vê hoje um mundo que produz globalmente, conglomerados que exploram mais-valia a quilômetros de suas matrizes, um mundo conectado que dispensa quase que por completo as velhas relações humanas de trabalho.

Os trabalhadores do século XXI estão em menor número nas grandes fábricas, perderam suas identidades, rejeitam suas velhas formas de luta, querem mais colaboração e menos guerra, querem participar do capitalismo, não destruí-lo. Ao contrário da previsão apocalíptica de Marx, o sistema do capital não proletarizou o mundo pela miséria. Os avanços tecnológicos formaram classes médias, reduziram os quadros de fome, incluiram as massas no consumo. O “grande dia do conflito final” foi definitivamente adiado.


Não significa que esteja tudo bem, significa que com o fim do proletariado e de seu movimento, as relações de trabalho vão precisar ingressar em novos espaços de resolução de confrontos. Teremos que pensar o futuro sem as utopias do passado, reafirmar a democracia e suas instituições como lugar de excelência para que possamos erguer um novo mundo, pacífico, desenvolvido e mais justo. O movimento operário, aquele dos séculos XIX e XX, está dando adeus.