segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Derrota do conservadorismo brasileiro passa pela derrota da religião

Por Adelson Vidal Alves



O conservador se opõe às grandes mudanças sociais, econômicas, políticas, morais e sistêmicas.  Acredita que há valores, tradições e instituições que devem se eternizar no tempo. O conservadorismo ganhou notoriedade diante das revoluções dos séculos XVIII e XIX, ao fazer oposição aos ideais revolucionários e defender a ordem do Antigo Regime.

O Brasil contemporâneo é conservador, sobretudo, na moral. Debates importantes como os direitos civis homossexuais, a descriminalização do aborto e a legalização da maconha são rejeitados pela grande maioria dos brasileiros. No entanto, nosso conservadorismo não persiste pelas reflexões laicas de Michael Oakeshott e Edmundo Burke, mas pela religião. Este último teórico, é verdade, via na religião o grande ordenamento da vida moral, mas seu pensamento foi além disso.

Os brasileiros de hoje não se apoiam na razão conservadora, estão submetidos às diretrizes do conservadorismo graças a uma prática bem mais pobre e perigosa que a dos grandes intelectuais da época da Revolução francesa. O estranhamento diante da diversidade sexual e a oposição à necessidade de debatermos a interrupção voluntária da gravidez nascem da pregação de teologias paupérrimas, que ameaçam consciências com a reação da ira divina frente a tais “pecados”. É a religião que firma verdades, que molda a cabeça conservadora do religioso pela certeza de um valor moral que não nasce da compreensão da vida social, mas de verdades imutáveis supostamente reveladas em um livro.

Há quem diga que o conservadorismo brasileiro pode deitar raízes distantes no colonialismo português, na formação do Estado brasileiro e no perfil próprio de nossa nacionalidade que teme o novo. Pode ser que haja uma articulação com isso tudo, porém, a religião moderna parece ser o sustentáculo do conservadorismo moral em nossos tempos.

O catolicismo que nos formou contribuiu e contribui muito para o conservadorismo de nossas terras. Ancorado em uma tradição de fé que condena o divórcio, o protagonismo eclesial feminino e a homossexualidade, e que obriga castidade pré-nupcial aos leigos e celibato a seu clero, a religião católica fez o conservadorismo valer em nossa cultura.

E não se trata apenas da religião do carismático Papa Francisco, ela ganhou o reforço do protestantismo, seja o histórico e de herança puritana, seja o pentecostal e neopentecostal, estes que são responsáveis pela difusão do irracionalismo e da intolerância entres os grupos mais pobres da periferia brasileira.

A conclusão que chegamos é que o conservadorismo brasileiro, por sua natureza, está relativamente imune à persuasão laica, afinal, os valores a serem conservados viriam do próprio Deus. Como convencer alguém das vantagens morais do progressismo quando é a certeza de uma fé conservadora que convence cabeças? A razão vale pouco para a mente religiosa.


A transformação progressista passa pela necessidade de derrotar a religião, ou pelo menos preservar apenas as que guardam um mínimo de espaço para o debate racional. Ampliando a religiosidade, pelo menos essa a que me referi, o Brasil seguirá sendo conservador, emperrado em preconceitos e na ignorância. 

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Os pobres são de direita? Resposta a Paulo Moreira

Por Adelson Vidal Alves



Os pobres são de direita? Segundo o colunista do Diário do Vale, Paulo Moreira, a resposta é sim. Para Paulo, pobre aprova a redução da maioridade penal, a pena de morte e é contra a intervenção estatal na economia e o desarmamento da população civil. Suas afirmações não vêm acompanhadas de nenhuma pesquisa ou dado estatístico que as comprovem, a não ser pelo resultado do plebiscito do desarmamento realizado no Brasil em 2005. Mesmo aqui, o autor do artigo comete um erro grave: o de desconsiderar o pluralismo da esquerda.

Não podemos falar de “esquerda”, mas de “esquerdas”. No citado plebiscito, partidos e movimentos de esquerda se posicionaram contra a proibição do comércio de armas e muitos da direita apoiaram a restrição. O PSTU se posicionou afirmando que a consulta popular era uma forma de desarmar o proletariado em período de crise revolucionária. Organizações e intelectuais de direita também não foram homogêneos em suas posições, direitistas afirmavam que arma na mão de gente ignorante poderia significar o aumento de assaltos e incentivaria a bandidagem. O fato é que não podemos ser superficiais quanto ao debate esquerda x direita, devemos saber que ambas mantém variantes dentro de si. Podemos falar de extrema-esquerda, esquerda democrática, esquerda revolucionária ou reformista; da mesma forma vamos enxergar uma direita democrática, moderada, assim como fascista e autoritária.

A fim de evitarmos mais confusão, trataremos aqui desta distinção aos moldes de Norberto Bobbio, isto é, a direita naturaliza a desigualdade e a esquerda entende que as desigualdades são produto de um sistema social injusto, no qual a política poderia interferir para amenizar.
A partir disso, vamos constatar simplesmente que não existe um lugar natural do pobre no campo ideológico. Pobres assumem decisões de acordo com o que interpretam no momento, ou quando assumem para si consciência de classe. Basta entendermos o que explica o marxismo nos conceitos de “classe em si” e “classe para si”. O primeiro representa o momento no qual a classe existe empiricamente, como realidade concreta de um determinado modelo econômico, já a “classe para si” se encontra em um momento evoluído onde se reconhece dentro de um determinado modelo de produção; entende os prejuízos e vai para a luta. No capitalismo, seria muito difícil entender um trabalhador que reconhece sua pobreza e resolve defender a direita, seria uma tomada avessa de consciência. Neste estágio de conscientização, é impossível um pobre ser de direita.

Sem compreender estas questões básicas, o autor parte para o ataque contra a esquerda. Ele a vê como o lugar de intelectuais que gostam de trabalhar pouco no serviço público - os “pequenos burgueses”-  ou simplesmente professores que seriam contra a meritocracia na educação. Paulo Moreira revela aqui que quem é de direita não são os pobres, mas sim ele. Uma cabeça que se ponha contra as desigualdades entenderia a crítica que se faz á meritocracia. Colocar estudantes de níveis sociais e cognitivos diferentes em disputas que partem do mesmo ponto é de uma injustiça cruel. Não considera que o Joãozinho filho de desempregados e que trabalha durante o dia vendendo bala no metrô não pode concorrer de igual para igual com o playboyzinho da Zona sul. E para se chegar a essa conclusão nem precisamos recorrer aos teóricos revolucionários do marxismo e da esquerda, basta uma lida rápida em John Rawls, um liberal confesso.

Marx certa vez viu uma real possibilidade revolucionária no sufrágio universal. O filósofo imaginava que sendo os pobres a maioria logo conseguiria tomar o poder, o que obrigaria a burguesia a recorrer à repressão. Mas Marx estava enganado, o capitalismo se desenvolveu e criou camadas médias, concedeu ganhos econômicos aos trabalhadores, e o Estado moderno conseguiu suprir necessidades emergenciais dos grupos mais excluídos. As eleições e a luta de classes, então, passaram de uma leitura meramente economicista para uma preocupação no campo das ideias, dos sentimentos, da cultura. A batalha pela hegemonia, nos termos gramscianos, é exatamente isso, a disputa para construir novos consensos, e assim moldar uma sociedade mais justa. Não é que o pobre “é de direita”, ele pode “estar de direita”, mecanismos de persuasão como a escola, os partidos e a família podem ser decisivos na hora de sabermos se ele irá de Bolsonaro ou de Zé Maria, de Heloisa Helena ou João Dória, de MST ou UDR, de CUT ou Fiesp. Generalizar um grupo social com um único e imóvel  viés ideológico é um erro panfletário que Paulo Moreira Leite cometeu.


PS: Caro Paulinho, o professor é contra elaborar provas não porque tem preguiça de corrigir, mas porque essas avaliações não tem sentido algum, assim como todo o sistema escolar atual. 

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Adeus à familia

Por Adelson Vidal Alves



Há quem diga que os grandes problemas morais, sociais, educacionais e até políticos estariam ligados à desestruturação da família tradicional. Esta, entendida como pai, mãe e sua prole. Os novos núcleos familiares (casais homoafetivos, por exemplo) surgidos a partir de uma lógica espontânea da vivência humana, seria a degeneração da família natural, eterna e criada por Deus.

Tal raciocínio se apega a tradição judaico-cristã, hegemônica no Brasil. Mas do ponto de vista histórico, a família tradicional não é uma instituição imortal da natureza. Ao contrário, ela é uma invenção social, inclusive recente, originada entre os séculos XVIII e XIX. Explicando melhor, algumas culturas, por alguma razão e em determinados momentos históricos, resolveram, dentro do conceito de família, serem monogâmicas, estabelecerem laços de responsabilidade e compromissos jurídicos.

A palavra família, etimologicamente, tem origem no latim, e significa “escravos domésticos”. Não à toa, Friedrich Engels, um dos fundadores do socialismo científico, entendeu a família moderna como a apropriação da mulher como propriedade privada. Sua teoria é mais bem desenvolvida no seu clássico “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, onde o autor desenvolve seu pensamento quanto a esses temas usando do materialismo dialético.

E se Engels identifica a origem da família nas bases materiais da sociedade, um autor não-materialista, Immanuel Kant, defende o potencial de libertação humana das comunidades familiares a partir da razão. Bem escreveu Maria Rosaria Manieri: “A concepção kantiana da fraternidade ratifica o fim das relações sociais de dependência, a recusa da comunidade-família (...). No complexo cultural kantiano o próximo perde os traços particulares, sentimentais e religiosos para assumir os da humanidade”.

E não se trata apenas de projeções filosóficas, mas de constatações reais do mundo contemporâneo. A globalização é um fato, e derrubou barreiras culturais, estatais, reformulou conceitos como o de identidade e soberania, e revolucionou as formas de vivência. Caminhamos para um futuro onde cada vez mais o valor de humanidade se sobrepõe aos valores de nacionalidade, raça, religião e cultura. Caminhamos para viver uma comunidade global única, razoavelmente homogênea (a diversidade jamais desaparecerá por completo) e com laços sólidos de espécie, não mais de família.

Podemos observar que no passado e no presente, famílias humanas dividem a paternidade dos filhos. Nossas ancestrais fêmeas transavam com vários machos, sem se interessar em saber qual deles gerou o seu filho, afinal, toda a comunidade cuidaria da prole.  Há tribos modernas que ainda agem de forma semelhante, recusando o modelo monogâmico.


A família tradicional está com os dias contados, não sobrevive mais 50 anos. Casamentos, disputas judiciais por filhos e herança, rivalidades familiares entre vizinhos, tudo isso será coisa do passado. No lugar, uma família global, com ligações cada vez mais flexíveis, mais ligadas ao valor de humanidade do que o de sangue. A transição já começou, e não há motivos para imaginar que ela vai ser detida. 

sábado, 2 de setembro de 2017

Obrigado, Ivana

Por Adelson Vidal Alves



Em “A Força do querer”, a personagem Ivana (Carol Duarte) é um transgênero com inclinações homossexuais (ela nasce biologicamente mulher, mas com o gênero masculino, porém, sente atração por homens). Seu drama percorre toda a novela como sendo a dor de um individuo que não se entende, odeia seu corpo e não se reconhece dentro do seu sexo biológico. Não é apenas a brilhante interpretação da jovem Carol que chama a atenção na trama de Glória Perez, mas, principalmente, o fato que grande parte do público não tinha a mínima ideia da existência desta questão, que é real e faz muita gente sofrer.

Muitos brasileiros podem afirmar: “mal conseguimos engolir a homossexualidade, e já vem gente querendo dizer que é possível fazer nascer barba em mulheres, mutilar seios e pênis, fazer um homem virar menina e vice versa, isso aqui está uma bagunça”. Este tipo de raciocínio é comum no Brasil, um país moralmente conservador e com forte influência cristã. É que na cabeça das pessoas, a natureza produziu seres humanos perfeitamente ajustados, programados para a heterossexualidade, a orientação sexual que Deus criou. De repente, descobrimos que não é nada disso. Há gente que sente atração pelo mesmo sexo, pelos dois sexos, que não gosta do seu corpo e se modifica para se adequar melhor ao seu “Eu”. Nada disso é doença e nem pode ser "curado", nem por Deus e nem pela ciência.

Hoje, podemos pensar a sexualidade sociologicamente, interpretando pelo menos três momentos na sexualidade humana: o sexo biológico, a orientação sexual e o gênero. O primeiro tem a ver com as características físicas do nascimento biológico, isto é, os genitais, seios, pênis etc. A orientação sexual tem a ver com afeto, atração e desejo, já o gênero é uma construção histórica e cultural de comportamentos e representações. É perfeitamente natural (pois está na natureza) e não há nada de perversão ou doença nisso, desde 1990 a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doença.  Até então, o homossexual era tratado como caso de saúde pública.

Aguardamos ansiosamente o dia em que a ciência conseguir explicar os genes que determinam tais realidades, que desmistifique de vez a falsa ideia de que escolhemos nossa sexualidade. Não existe opção sexual, ninguém acorda um belo dia e diz “quero ser gay”. Em meio a um mundo heteronormativo, a construção sexual é algo que pode ser penoso, e não raro produz depressão, tentativas de suicídio, rupturas familiares e o pior, o preconceito da sociedade, que pode matar.


Até conseguirmos entender completamente o mecanismo genético que produz nossa vivência sexual, teremos apenas que respeitar, aceitar, e conhecer a diversidade sexual humana, e nesse sentido, Ivana tem nos ensinado muito. Obrigado, Ivana.