segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Uma crítica de esquerda às políticas de direitos humanos no Brasil

Por Adelson Vidal Alves



Chegou a cem o número de policiais mortos no estado do Rio de Janeiro só no ano de 2017. Uma estatística escandalosa que revela um quadro de guerra civil, onde toda uma cidade se vê envolvida em um confronto histórico e aparentemente eterno entre forças do Estado e a tirania do tráfico. O fracasso das políticas públicas e de segurança é revelado em meio a sangue, dor e sofrimento de todos os lados, mas que diante destes números se revela uma vítima nem sempre vista com a devida compaixão da sociedade: os policiais.

Deve ser objeto de reflexão o fato que a morte de policiais é estampada em jornais como algo natural, do tipo “faz parte da profissão”. Não faz. Trabalhamos para ganhar a vida, não a morte. Esses trabalhadores que foram vítimas de balas disparadas pelo crime devem receber a atenção devida da mídia, dos órgãos públicos e, principalmente, dos Direitos humanos.

Aliás, as políticas de direitos humanos, ainda que injustiçada por críticas à direita de que “só se defendem bandidos”, tem pecado ao ganhar roupagens ideológicas, do tipo que enxerga o Estado como um aparelho repressor contra os pobres, e que age sistematicamente para reprimir favelados e exterminar negros e excluídos. Essa visão distorcida da realidade faz com que os militantes e responsáveis por políticas dos direitos humanos acolham as vítimas da truculência policial e ignorem os bons policiais que morrem na linha de frente defendendo a sociedade.

Tal crítica não vem apenas dos infelizes que defendem a tese esdrúxula de que “bandido bom é bandido morto”. Mesmo intelectuais ligados a esquerda já estão abertamente percebendo a incapacidade de muitos em tratar os direitos humanos como algo universal. O filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma, disse: “Por que a esquerda aceitou que os direitos humanos fossem confinados a algo que beneficia uma parte bem pequena da população? (...) A violência policial é brutal (...) mas houve um erro em termos políticos.  Esse erro político foi não salientar o caráter universal dos direitos humanos” [1]

A crítica de esquerda à política de direitos humanos no Brasil não se dá ao fato dela priorizar segmentos mais vulneráveis da sociedade, é óbvio que se deve condenar as execuções extrajudiciais da PM, a prática da tortura, a violação de direitos por parte policiais em suas incursões nas favelas, a forma desumana do nosso sistema prisional. Mas é preciso que esta prioridade não se transforme em exclusividade, a ponto de que policiais queimados vivos por traficantes virem apenas objetos de uma nota de pesar.

É preciso que a esquerda incorpore o valor da humanidade como um aspecto universal, é o ser humano o portador destes direitos, sem exceção. Enquanto a direita combate os direitos humanos com termos pejorativos e de desqualificação, ignorando o direito à dignidade, inata ao ser humano, a esquerda deve reafirmar tais direitos, contra a seletividade ideológica e a favor da universalidade.


 [1] Entrevista concedida para o livro “A crise das esquerdas” Ed. Civilização Brasileira

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Samuca e a velha política

Por Adelson Vidal Alves




Infidelidade partidária: Samuca trai o PV e ingressa no indecifrável Podemos, manobras da Velha política



É comum nos dias de hoje a distinção entre “velha política” e “nova política”. A primeira representa a prática desgastada de se fazer política, é o fisiologismo, o clientelismo, o patrimonialismo, a infidelidade partidária, a prática de cooptação. O uso abusivo do poder econômico e do marketing, o loteamento do Estado, o autoritarismo, projetos de perpetuação do poder, negociações espúrias que fazem da política balcão de negócios, relações imorais entre os poderes e a corrupção. A nova política, por sua vez, seria a inovação do fazer político. É a transparência radical no exercício do poder público, a democratização da vida social, política, cultural e econômica; o compromisso com a totalidade social, especialmente com os grupos socialmente mais vulneráveis. É a governança em cima de programas, a construção de alianças fundamentadas em critérios programáticos, o compromisso com o meio ambiente e a utilização das tecnologias como forma de horizontalização participativa do poder.

Parte do que chamamos de nova política é tão somente o bom exercício da política. Mas a degeneração desta, fez com que o “novo” virasse o discurso de renascimento da política ética abandonada pela classe política.

O discurso do “novo”, assim, virou peça de marketing nas campanhas eleitorais. Na cidade de Volta Redonda, no pleito de 2016, tal discurso ficou com o até então despretensioso candidato a prefeito, Samuca Silva, que como um meteoro viu sua candidatura ser vitoriosa sem necessidade de sequer apresentar propostas. Diante da desilusão popular, bastou discursar contra a velha política e seus supostos representantes, demonizar a política e exaltar a “gestão”, para que uma multidão de desiludidos virassem votos e colaboradores de uma candidatura que prometia salvar a cidade do aço da “velha política”.

No entanto, com a mesma rapidez que saiu do anonimato para o Palácio 17 de Julho, Samuca Silva despencou na credibilidade entre seus eleitores. Nas redes sociais, termômetro moderno da atuação de políticos, o então “jovem gestor” transformou-se em símbolo de bizarrice, amadorismo e ineficiência. São raros os que hoje colocam a cara para defende-lo. No geral, um ar de vergonha e decepção daqueles que apostaram no atual prefeito.

A decepção do povo voltarredondense faz todo sentido. A velha política que Samuca prometeu combater permanece viva. Em um ato arcaico de poder, o prefeito comprou quase todos os vereadores da cidade, serviu aos empresários o banquete do poder e colocou a população pobre para pagar o alto custo do transporte público, aumentando o preço da passagem dos ônibus. Em pouco mais de seis meses de governo abandonou o Partido Verde para ingressar no Podemos, mais um daqueles partido que muda de nome para não mudar nada, apenas jogada política. Como o partido é “novo”, Samuca pode trair o PV sem correr o risco de perder o mandato. Quer coisa mais “velha política” que isso?

Não bastasse, ele começa a se articular para criar seu grupo político. Pretende lançar candidatos a deputados, apoiar senadores e governadores, tudo para multiplicar seu tempo na cadeira do Executivo de Volta Redonda.

O que ele não entende, contudo, é que ambição somente não basta. Seu amadorismo de governo, aliado a ineficiência administrativa, vem minando sua popularidade, o que provavelmente o levará a uma derrota acachapante nas eleições de 2018. Será o primeiro grande sinal para que ele entenda que não se pode trair uma cidade inteira  e sair impune. 

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

As raízes de Charlottesville

Por Adelson Vidal Alves



A ciência das raças

No século XVIII, Lineu classificou as raças humanas em quatro: europeus, americanos, asiáticos e africanos. No mesmo século, o antropólogo Johann Blumenbach acrescentou mais uma raça, a raça malaia. Blumenbach não chegou a ser um racista, apesar de considerar os caucasianos (o termo é dele) uma raça mais bonita. Somente no século XIX é que o racismo, enfim, ganha suas bases científicas, embora a obra fundadora não tenha vindo de um grande cientista, mas de um aristocrata francês. Em 1855 Arthur de Gobineau, que foi embaixador francês no Brasil, publicou “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas” onde propunha a divisão racial da espécie humana em branca, amarela e negra. O diplomata considerava que o fracasso de impérios e nações estava associado a misturas raciais, que proporcionavam degeneração.  Gobineau tratava os arianos (raça branca) como a raça superior.

Dai em diante, apareceram cientistas dispostos a referendar as afirmações de Gobineau. Entre os destacados do racismo científico, podemos citar o médico americano Samuel Morton, que reuniu uma ampla coleção de crânios humanos para depois classifica-los racialmente, atribuindo características hierárquicas a cada uma das raças que identificou. Na verdade, mais do que raças, ele acreditava que os variados grupos humanos na verdade seriam espécies distintas.

A raça superior, segundo Morton, seria a dos europeus “os mais belos habitantes da terra”, enquanto os negros ocupariam a parte mais baixa da hierarquia racial por “terem pouca inteligência”, só conseguirem obter “capacidades imitativas” e aprenderem “artes mecânicas”. Morton foi referência para vários estudos durante muito tempo, e só foi desacreditado com a publicação de “A falsa medida do homem”,  em 1981, do biólogo Stephen Jay Gould, que detalhou os erros na medição craniana do médico da Filadélfia.

Eugenia e a perversão humana

Francis Galton era primo de Charles Darwin, autor do revolucionário “A origem das espécies”. O antropólogo e matemático inglês trouxe grandes contribuições científicas, sobretudo no que toca ao campo das estatísticas. Seu nome estaria entre os grandes cientistas da humanidade, não fosse um deslize que cometeu em sua vida intelectual. Foi ele o fundador da eugenia (teoria que defende a seleção dos melhores humanos na criação raças superiores).

Galton acreditava que seria possível construir uma humanidade melhor selecionando a reprodução humana. Seria preciso selecionar os geneticamente superiores e incentivar a reprodução desses. Ainda que hoje saibamos o quanto mal a eugenia fez ao mundo, é uma injustiça atribuir toda a culpa a Galton. Refletindo com os valores do seu tempo, ele só pensava em como fazer a humanidade se aperfeiçoar através de seleção reprodutiva das raças. Dificilmente ele apoiaria os horrores cometidos em nome da sua ciência.

É que muitos cientistas e pensadores resolveram levar para a prática as ideias de Ganton, no estilo mais bárbaro da perversão humana. Um dos nomes destacados é do conservacionista Madison Grant, autor de “A morte da grande raça”. Ele defendeu a superioridade da raça branca, e a necessidade de construir nações fortes partindo da criação de uma raça superior, conforme sua visão racial. Seu pensamento foi tão nocivo à humanidade que o mais ilustre de seus leitores era nada mais nada menos que Adolf Hitler, que classificou o livro de Grant como “minha bíblia”.

Na prática, a eugenia produziu esterilizações cruéis de pessoas consideradas inferiores ( incluindo crianças),  promoveu leis anti-imigração, segregação e no seu ápice, justificou o terror do Nazismo.

O novo racismo científico

As teses do racismo científico estão desacreditadas, como veremos adiante. No entanto, há quem persista com teses de que raças humanas existem. Recentemente, o biólogo molecular James Watson, que ajudou a descobrir a estrutura molecular do DNA no Projegto Genoma,  declarou ao jornal The Sunday Times " ser pessimista sobre a África porque as políticas ocidentais para os países africanos eram, erroneamente, baseadas na presunção de que os negros seriam tão inteligentes quanto os brancos quando, na verdade "testes" sugerem o contrário. Disse também que "pessoas que têm de lidar com empregados negros descobrem que isso não é verdadeiro" [1].

E disse mais:

"Não há nenhuma razão sólida para antecipar que as capacidades intelectuais de pessoas geograficamente separadas em sua evolução provem ter evoluído de forma idêntica" (...) Nosso desejo de reservar poderes iguais de raciocínio como alguma herança universal da humanidade não será suficiente para fazer com que assim seja” [2].

O cientista americano voltou atrás em suas declarações, mas não por convicção. Depois de sua entrevista ele perdeu palestras, foi afastado do laboratório onde trabalhava e foi duramente criticado por vários de seus colegas. Não é mera especulação imaginar que Watson acredita na existência de raças, temos motivos para isso ao pesquisarmos outras declarações suas.

Só que a ousadia maior dos nossos tempos no campo da ciência das raças não veio de um cientista profissional, mas de um jornalista científico. O inglês Nicolas Wade publicou o livro “Uma herança incômoda: genes, raça e história humana”. Nele, Wade defende que raças não são construções sociais, mas uma realidade biológica. Ele separa as raças humanas em cinco: caucasianos, asiáticos orientais, aborígenes australianos, americanos nativos e africanos. Mais do que isso, ele indica que a existência de raças biológicas interferiu na construção de instituições e nos rumos da história. Sua tese é de que, ao serem pressionados pelo ambiente e a seleção natural, as raças humanas desenvolveram capacidades e comportamentos sociais distintos, o que fez com que alguns povos desenvolvessem organizações de sociedade mais complexas e prósperas, como os europeus e os asiáticos, enquanto outros mal conseguiram sair de suas tribos, como os africanos. Ainda que rejeitando categoricamente ser racista, Wade ofereceu aos racistas sólidos argumentos para seguirem com suas teses de ódio e intolerância.

A ciência contra o racismo

A ciência da raça forneceu bases para as ideologias mais desumanas que apareceram na história moderna e contemporânea. Regimes políticos como o Apartheid e o Nazismo baseavam-se na crença inabalável da existência de raças inferiores e superiores entre os humanos. Contudo, tais crenças não fazem o menor sentido nos dias atuais, a se julgar pelas pesquisas mais completas e conclusivas da genética moderna.

O mito da raça começou a ser desmontado no ano de 1972, pelo geneticista populacional Richard Lewontin. Em seus trabalhos, o cientista americano demonstrou que as diferenças humanas são mínimas para podermos afirmar a existência de diferentes unidades biológicas. Ele afirmou: “De toda a variação humana, 85% é entre as pessoas individuais dentro de uma nação ou de uma tribo”, concluindo que “as raças humanas e os indivíduos são notadamente similares entre si” [3]. Depois de Lewontin, outros testes genéticos vieram para corroborar os resultados de suas pesquisas. 

A verdade científica é que raças humanas não existem, pelo simples fato de que raças só poderiam existir caso nossa espécie tivesse sido exposta a evolução de coletivos humanos isolados, sob a mesma pressão evolutiva ambiental. Como isso não aconteceu, as diferenças biológicas entre os vários grupos da espécie Homo Sapiens são insignificantes e insuficientes para definirem raças humanas.

A raça como categoria social: o desastre das políticas raciais

Se raças não existem na natureza, por que o racismo e o uso do termo ainda persistem? O conceito de raça saiu do dicionário biológico para entrar no dicionário sociológico. Ele é usado basicamente na formulação de políticas afirmativas, e os movimentos que defendem tais políticas reformulam identidades relacionando a ideia de raça com a de cultura.

No Brasil, o movimento negro vem pressionando o poder público para elaboração de políticas públicas especificas em direção ao povo negro. Seria uma forma de reparação histórica ao período de escravidão que essa “raça” sofreu em pelo menos quatro séculos de nossa história. O grande problema, aqui, é que tais políticas não fazem sentido na realidade mestiça brasileira, e em geral, perpetuam a falsa ideia de divisão racial.

É comum que muitos estabeleçam traços culturais como forma de construção de identidade, transferindo a consciência nacional brasileira para continentes raciais, especialmente a África. Os brasileiros não seriam pessoas de pele negra que nasceram no Brasil, mas filhos de uma diáspora que colocou-lhes o infeliz rótulo de “afrodescendente”, a consagração da binacionalidade racial.

De alguma forma, os racialistas de hoje cometem o mesmo mal do racismo científico, principalmente por insistirem em separar humanos em famílias raciais. Assim, alimentam o racismo. Deixo as palavras do já citado Richard Lewontin: “A classificação racial humana não possui valor social, e é positivamente destrutiva para as relações sociais e humanas”.

Para que Charlottesville não se repita

Os atos racistas em Charlottesville, Estados Unidos, chocaram a opinião pública internacional, por se tratar de conflitos de ódio extremista com motivações anacrônicas. Historicamente, a intolerância racial está ligada aos nossos vizinhos do Norte, pois lá persistiram por anos leis de discriminação racial, assim como políticas de segregação e de reparação racial que só fizeram manter na mente americana a ideia nociva de separação de raças.

A condenação ampla da comunidade internacional a tais manifestações reflete um avanço cultural que nos coloca na rota de construção de uma sociedade universal,  respeitando a diversidade da espécie humana. Mas para que Charlottesville não se repita, o mito da raça deve definitivamente ser abolido de nossas cabeças. Um desafio urgente do nosso século.


Notas:

[1] Diponivel em:  https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/nobel-da-medicina-choca-geneticistas-ao-afirmar-que-negros-sao-menos-inteligentes-4147567, 17/10/2017

[2] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1810200703.htm , 18/10/2017


Referenciais bibliográficos:

FRY, Peter. A persistência da raça: Ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África Austral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2005.

MAGGIE, Yvonne. Divisões perigosas: Políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2007.

MAGNOLI, Demétrio. Uma Gota de Sangue: História do pensamento racial. São Paulo: Contexto, 2009.

WADE, Nicholas. Uma Herança Incômoda: Genes, raça e história humana. São Paulo: Três Estrelas, 2014.




                          

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Neto vai para a ofensiva

Por Adelson Vidal Alves



Antônio Francisco Neto governou a cidade de Volta Redonda por quatro mandatos. Parte deles conduziu a cidade a bons números sociais, desenvolvimento urbano e modernização. No entanto, seu perfil governante sempre foi autoritário, fisiologista e clientelista. Sob a era Neto, os partidos politicos, vereadores, sindicatos, movimentos sociais e associações de moradores foram aparelhados, virando correia de transmissão do governo.  Parte da imprensa funcionou como órgão oficial da prefeitura, e os adversários foram perseguidos.

Mas seu tempo acabou quando Samuca foi eleito, certo? Errado. Ao que parece, o hoje funcionário do governador Pezão está pronto a montar uma ofensiva contra o atual prefeito, eleito pelo PV e que agora está no indecifrável Podemos.

É que o momento do governo Samuca não é dos melhores. A euforia da eleição passou, seus eleitores estão desencantados, sua base de governo é frágil, os projetos são pobres e as reformas necessárias para enfrentar a crise não vieram. Com isso, o atual governo deixa um vácuo político perigoso, que o ex-prefeito pretende ocupar.

Nas redes sociais, Neto prega um saudosismo sentimental de “como era a cidade que vivemos um dia”. Também tenta desconstruir o discurso do atual governo sobre a dívida pública, usando de malabarismos contábeis. Se Samuca ignorou a dívida do município na eleição, hoje é a vez de Neto insistir que está tudo bem nos cofres da prefeitura.

Certa vez o pensador italiano Antonio Gramsci fez a seguinte afirmação “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”. Ele queria dizer que é necessário fazer o novo virar realidade, enquanto isso não acontece, o velho segue rondando.  Aqui, Neto representa o velho, o patrimonialismo, o centralismo, o clientelismo, o transformismo, o desprezo para com os servidores públicos, a falta de transparência administrativa, o jogo espúrio do poder. Mas Samuca ainda não é novo, porque (erroneamente) tentou iniciar seu mandato querendo destruir a figura de seu antecessor, mas no governo, acaba repetindo as mesmas práticas, adiando soluções urgentes para a saúde financeira do município, expondo claramente a escassez de ideias da sua gestão.

Ou se assume um novo projeto de cidade, assentado em valores da nova política, ou corre-se o risco de uma absoluta cooptação pela velha política, e ai sim, definitivamente será aberto o caminho para um “Volta Neto!”. Seria um retrocesso terrível. 

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

O uso cretino da palavra democracia

Por Adelson Vidal Alves



Hoje quase todo mundo se diz defensor da democracia. É impensável imaginar que nos nossos dias alguma força política vá abertamente defender a supressão de liberdades ou condenar o sufrágio universal. Mesmo o deputado Jair Bolsonaro, admirador confesso da ditadura militar, prefere disfarçar seu apreço pelo autoritarismo dizendo que o Golpe civil-militar de 1964 foi na verdade a salvação do Brasil de viver um regime comunista, exatamente o mesmo discurso dos golpistas da época. Além disso, busca evitar o termo “Ditadura militar”, colocando em seu lugar “Regime militar”, e costuma dizer que os militares defenderam a democracia, assim como ele defende.

Mas o deputado não está sozinho neste uso cretino da palavra democracia. Na esquerda há também quem pose de democrata só quando os seus interesses são atendidos ou pretendem ser atendidos. Para estes, foi necessário defender Dilma do impeachment, não para defender a ex-presidente, mas para “proteger a democracia brasileira”. Os mesmos defendem hoje a Assembleia Constituinte golpista de Maduro, dizendo que a burguesia venezuelana estaria dando um golpe, quando está claro que a abolição do sufrágio universal e as manobras para redigir uma nova Constituição são visivelmente manobras golpistas do governo chavista.

Democracia para esta gente não é o sistema político das liberdades, da participação popular no exercício do poder, da resolução pacífica dos conflitos sociais e a socialização da vida econômica, cultural e política. Para eles, a democracia só é democracia quando se atende interesses exclusivos de um grupo, classe ou partido. Quando tais interesses são contrariados, vale quebrar a regra do jogo e ainda classificar tal ruptura como defesa da democracia.

Só que o sistema democrático pensado nos termos da teoria do Estado democrático de direito é uma conquista de civilização, modelo de sociedade no qual as liberdades são respeitadas e o pluralismo uma lei que atende a realidade complexa do mundo contemporâneo. Não se aceita a supremacia de um grupo pelo uso da força.

Viver democraticamente é reconhecer que a sociedade humana tem diferenças, é aceitar fazer concessões em nome de um bem comum, é construir consensos cada vez mais universalistas, é respeitar a diversidade de ideias e ao mesmo tempo lutar para que caminhemos cada vez mais para uma solução comum nas nossas grandes questões.

A democracia é um valor universal, não um instrumento a ser utilizado e depois descartado quando objetivos particulares são atendidos. É dentro dela, com ela e por ela que as sociedades devem amadurecer e aperfeiçoar a convivência em direção a um mundo pacífico e justo.


É nestas condições que a palavra democracia deve ser usada, e não no tom cretino que esquerda e direita resolveram usá-la para seus fins próprios. 

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Seminário em Barra Mansa expõe desinformação e racismo de palestrantes

Por Adelson Vidal Alves


A prefeitura de Barra Mansa realizou nesta terça-feira, 8 de Agosto, um seminário para professores da rede municipal de Educação sobre o ensino de relações étnico-raciais nas escolas. Os palestrantes foram convidados da Gerência de promoção da Igualdade Racial, órgão ligado ao governo do município.

A mesa de palestras foi composta exclusivamente de pesquisadores militantes do movimento negro e defensores abertos de políticas racialistas. As falas se configuraram como um espetáculo de bizarrice, desinformação histórica e racismo.

A primeira pesquisadora a se pronunciar fez a afirmação de que o impeachment de Dilma foi “um Golpe de Estado”, uma propaganda fora do lugar de uma tese delirante que se arrasta pelo país através das guerrilhas virtuais petistas. Seguindo as trilhas da militância, transmitiu a informação de que 55% dos brasileiros se autodeclaram negros, o que é falso. Segundo pesquisas do PNAD e do Censo do IBGE, cerca de 45% da população se autodeclaram pardos, enquanto menos de 10% dos pesquisados se afirmam como pretos. Questionada, ela se resumiu a dizer que no Brasil pardos são automaticamente negros, ignorando a autonomia da declaração da identidade individual das pessoas. O fato, aqui, é que ao contrário dos EUA, o Brasil jamais promoveu uma política de anti-miscigenação. Ao contrário, nosso país é indiscutivelmente um país mestiço, algo incômodo para os militantes do movimento negro.

Mas o circo de horrores ficou para o fim, na fala de uma pesquisadora que se autodeclarava doutora e ativista social. Ao estilo de um Stand up, fez piadas com as pessoas de pele branca, que segunda ela, seriam “encardidas”, numa expressão clara de racismo às avessas. Chegou ao ponto de insinuar que o demônio “teria olhos azuis”. O espetáculo patético não parou por ai, a palestrante pediu a construção de políticas de saúde exclusivas para pessoas de pele negra, afirmando haver “doenças raciais”, em uma prova de total ignorância quanto aos resultados das novas pesquisas da genética.

Já é sabido desde a segunda metade do século XX que raças humanas não existem na natureza, e que as diferenças biológicas entre grupos de cor de pele diferente são mínimas, imprevisíveis e impossíveis de serem classificadas racialmente. Mesmo assim, ela insistiu em afirmar que doenças como hipertensão e anemia falciforme seriam “doenças de negros”, uma estupidez insustentável.

Sobre o assunto, foi feliz o sociólogo Demétrio Magnoli, autor de “Uma Gota de Sangue Única: história do pensamento racial” um dos trabalhos mais completos sobre a questão racial já publicado no Brasil. Disse ele: “A Anemia falciforme, que ocupa o lugar estratégico de principal “doença de negros” no discurso racialista, é uma doença com larga variabilidade clínica (...) o portador do traço falciforme não é um doente (...) Doenças genéticas não são doenças raciais”. A farsa da “doença de negros”, sem ter apoio nas ciências médicas, só sobrevive como discurso ideológico. O antropólogo Peter Fry captou muito bem isso quando escreveu: “ A anemia falciforme tornou-se, muito mais que que uma doença a ser detectada e tratada , um poderoso elemento na naturalização da "raça negra”.

Para fechar o show de baboseiras, a palestrante soltou a pérola final. Os primeiros humanos, segundo ela, seriam negros, pois Deus fez os homens do barro, e o barro é negro.

Pode parecer inacreditável, mas um seminário de educadores foi recheado de todos esses absurdos, sob aplausos e risadas de alguns da plateia. Pior que todas as asneiras ditas sob o rotulo de pesquisa, foi a constatação do racismo às avessas, cometido sem qualquer acanhamento, distribuído sob forma de anedota. Para eles, os palestrantes, o racismo de alguns justifica o revanchismo racial odiento, que qualquer cabeça lúcida e inteligente vai entender que só serve para agravar o preconceito de raça.


Referenciais bibliográficos

MAGNOLI, Demétrio Uma gota de sangue única: História do pensamento racial”. São Paulo; Contexto; 2009

FRY, Peter, “A persistência da Raça”. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005



sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Golpismo chavista contamina a esquerda brasileira

Por Adelson Vidal Alves



A Venezuela vive uma crise grave em sua frágil democracia. O governo de Nicolas Maduro pretende reescrever a Constituição do país para beneficiar a si próprio. Para isso, se vale das ações mais truculentas possíveis, que já gerou dezenas de mortes e prisões de opositores. O dinheiro público dos venezuelanos está sendo utilizado para montar grupos paramilitares e milícias de bairros que aterrorizam o povo e intimidam opositores.

Além isso, nosso vizinho sul-americano pena uma das crises econômicas mais sérias da sua história. Faltam empregos, a inflação é estratosférica, bens básicos desapareceram dos supermercados, a violência impera nas ruas do país. Ideologizando a crise que ele próprio causou, Maduro inventa narrativas fantasiosas, como a de que a culpa da situação econômica do país seria a burguesia, que estaria sumindo com alimentos das prateleiras dos supermercados. Tal discurso é esdrúxulo, ridículo e infantil, mas chega a ser exportado para os pares do chavismo em todo o continente, incluindo o Brasil.

Foi assim que partidos de esquerda como PCdoB, PT e PSOL deixaram de lado escrúpulos mínimos para, sem qualquer sinal de vergonha, declarar apoio às manobras autoritárias de Maduro. Os argumentos beiram a total insanidade. Dizem eles que o presidente venezuelano está defendendo conquistas sociais do povo contra o imperialismo norte-americano e a direita fascista. Tudo se resumiria a luta de classes, o governo do povo contra as oligarquias parasitarias e gananciosas.

O que está em questão, no entanto, não é qual lado está certo, mas a permanência da normalidade democrática.  A direita, o fascismo e as oligarquias devem ser combatidos nos termos democráticos, dentro da normalidade institucional, e não com um golpe descarado.

Neste aspecto, as posições tomadas pelos partidos de esquerda no Brasil revelam muito sobre eles, que aceitam rupturas autoritárias desde que atendam suas opções ideológicas e lhes sirva como algum ponto de apoio ao “socialismo do século XXI”.


Comunistas, petistas e psolistas ingressaram nesta infame posição de defender um assassino inescrupuloso, jogando de lado seus compromissos com a ordem democrática, tudo para sustentar uma rede imaginária de revolucionários, estes que no fundo são apenas títeres de poderes autoritários que beneficiam pequenas minorias de burocratas egoístas e cruéis.