Por Adelson Vidal Alves
Tal raciocínio se apega a
tradição judaico-cristã, hegemônica no Brasil. Mas do ponto de vista histórico,
a família tradicional não é uma instituição imortal da natureza. Ao contrário,
ela é uma invenção social, inclusive recente, originada entre os séculos XVIII e
XIX. Explicando melhor, algumas culturas, por alguma razão e em determinados
momentos históricos, resolveram, dentro do conceito de família, serem monogâmicas,
estabelecerem laços de responsabilidade e compromissos jurídicos.
A palavra família,
etimologicamente, tem origem no latim, e significa “escravos domésticos”. Não à
toa, Friedrich Engels, um dos fundadores do socialismo científico, entendeu a
família moderna como a apropriação da mulher como propriedade privada. Sua
teoria é mais bem desenvolvida no seu clássico “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, onde o
autor desenvolve seu pensamento quanto a esses temas usando do materialismo
dialético.
E se Engels identifica a origem
da família nas bases materiais da sociedade, um autor não-materialista, Immanuel
Kant, defende o potencial de libertação humana das comunidades familiares a
partir da razão. Bem escreveu Maria Rosaria Manieri: “A concepção kantiana da fraternidade ratifica o fim das relações
sociais de dependência, a recusa da comunidade-família (...). No complexo
cultural kantiano o próximo perde os traços
particulares, sentimentais e religiosos para assumir os da humanidade”.
E não se trata apenas de
projeções filosóficas, mas de constatações reais do mundo contemporâneo. A
globalização é um fato, e derrubou barreiras culturais, estatais, reformulou
conceitos como o de identidade e soberania, e revolucionou as formas de
vivência. Caminhamos para um futuro onde cada vez mais o valor de humanidade se
sobrepõe aos valores de nacionalidade, raça, religião e cultura. Caminhamos
para viver uma comunidade global única, razoavelmente homogênea (a diversidade
jamais desaparecerá por completo) e com laços sólidos de espécie, não mais de família.
Podemos observar que no passado
e no presente, famílias humanas dividem a paternidade dos filhos. Nossas ancestrais
fêmeas transavam com vários machos, sem se interessar em saber qual deles gerou
o seu filho, afinal, toda a comunidade cuidaria da prole. Há tribos modernas que ainda agem de forma semelhante,
recusando o modelo monogâmico.
A família tradicional está com
os dias contados, não sobrevive mais 50 anos. Casamentos, disputas judiciais
por filhos e herança, rivalidades familiares entre vizinhos, tudo isso será
coisa do passado. No lugar, uma família global, com ligações cada vez mais
flexíveis, mais ligadas ao valor de humanidade do que o de sangue. A transição
já começou, e não há motivos para imaginar que ela vai ser detida.
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