terça-feira, 12 de setembro de 2017

Adeus à familia

Por Adelson Vidal Alves



Há quem diga que os grandes problemas morais, sociais, educacionais e até políticos estariam ligados à desestruturação da família tradicional. Esta, entendida como pai, mãe e sua prole. Os novos núcleos familiares (casais homoafetivos, por exemplo) surgidos a partir de uma lógica espontânea da vivência humana, seria a degeneração da família natural, eterna e criada por Deus.

Tal raciocínio se apega a tradição judaico-cristã, hegemônica no Brasil. Mas do ponto de vista histórico, a família tradicional não é uma instituição imortal da natureza. Ao contrário, ela é uma invenção social, inclusive recente, originada entre os séculos XVIII e XIX. Explicando melhor, algumas culturas, por alguma razão e em determinados momentos históricos, resolveram, dentro do conceito de família, serem monogâmicas, estabelecerem laços de responsabilidade e compromissos jurídicos.

A palavra família, etimologicamente, tem origem no latim, e significa “escravos domésticos”. Não à toa, Friedrich Engels, um dos fundadores do socialismo científico, entendeu a família moderna como a apropriação da mulher como propriedade privada. Sua teoria é mais bem desenvolvida no seu clássico “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, onde o autor desenvolve seu pensamento quanto a esses temas usando do materialismo dialético.

E se Engels identifica a origem da família nas bases materiais da sociedade, um autor não-materialista, Immanuel Kant, defende o potencial de libertação humana das comunidades familiares a partir da razão. Bem escreveu Maria Rosaria Manieri: “A concepção kantiana da fraternidade ratifica o fim das relações sociais de dependência, a recusa da comunidade-família (...). No complexo cultural kantiano o próximo perde os traços particulares, sentimentais e religiosos para assumir os da humanidade”.

E não se trata apenas de projeções filosóficas, mas de constatações reais do mundo contemporâneo. A globalização é um fato, e derrubou barreiras culturais, estatais, reformulou conceitos como o de identidade e soberania, e revolucionou as formas de vivência. Caminhamos para um futuro onde cada vez mais o valor de humanidade se sobrepõe aos valores de nacionalidade, raça, religião e cultura. Caminhamos para viver uma comunidade global única, razoavelmente homogênea (a diversidade jamais desaparecerá por completo) e com laços sólidos de espécie, não mais de família.

Podemos observar que no passado e no presente, famílias humanas dividem a paternidade dos filhos. Nossas ancestrais fêmeas transavam com vários machos, sem se interessar em saber qual deles gerou o seu filho, afinal, toda a comunidade cuidaria da prole.  Há tribos modernas que ainda agem de forma semelhante, recusando o modelo monogâmico.


A família tradicional está com os dias contados, não sobrevive mais 50 anos. Casamentos, disputas judiciais por filhos e herança, rivalidades familiares entre vizinhos, tudo isso será coisa do passado. No lugar, uma família global, com ligações cada vez mais flexíveis, mais ligadas ao valor de humanidade do que o de sangue. A transição já começou, e não há motivos para imaginar que ela vai ser detida. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário