sábado, 13 de maio de 2017

Cultura e o "atraso" africano

Por Adelson Vidal Alves



Durante muito tempo tratamos o continente africano como um continente sem história. Para alguns, a falta de documentos escritos nos impedia de contar uma história da África, que seria, na verdade, uma “sociedade fria”, imóvel culturalmente, e selvagem nas suas práticas cotidianas. Tal visão estava impregnada do que o antropólogo Claude Lévi- Strauss chamou de “etnocentrismo”, ou seja, uma avaliação que fazíamos partindo dos nossos valores ocidentais, sobretudo no que diz respeito à organização do Estado e a economia de mercado.  

Além disso, tal discurso servia aos interesses imperialistas e colonizadores. Os africanos poderiam ser dominados e escravizados, pois seriam naturalmente inferiores, carentes de uma missão civilizadora, o “fardo do homem branco”. Hoje, conseguimos interpretar o continente africano sem muitos desses preconceitos. Sabemos que a África não é homogênea, abriga um número enorme de línguas, tribos, etnias e culturas diferentes, de modo que seria um erro falarmos de uma “cultura africana”. O Continente expressa uma rica pluralidade cultural, assim como uma história própria que nada deve aos valores europeus e americanos.

No entanto, ainda que reconheçamos todas as particularidades do continente africano, não podemos deixar de nos preocupar com os números sociais alarmantes que ali habitam, sobretudo, na parte que chamamos de “África negra”.

Segundo a ONU (Organização das nações unidas), cerca de 150 milhões de africanos não tem acesso às calorias alimentícias necessárias para uma saúde segura, e cerca de 23 milhões estão prestes a morrer de fome. Ainda segundo a organização, até 2020 teremos um aumento de 18% na desnutrição infantil. Tais números são um escândalo ético para toda a comunidade internacional. Mas, afinal, qual a razão deste “atraso” africano?

Devemos pensar a partir de várias orientações, geográficas, históricas, ambientais, culturais e econômicas. Do ponto de vista histórico, está a constatação da herança colonialista e imperialista que o continente sofre. Suas riquezas foram saqueadas, seu povo oprimido, sua cultura violentada. Tudo isso se soma ao problema da produção de alimentos e dos bens de produção em geral. É um fato que a maior parte das nações africanas não desenvolveu forças produtivas capazes de produzirem alimentos na proporção que cresce sua população. As formas produtivas de grande parte do continente não da conta das altíssimas taxas de natalidade, que combinam com a baixa oferta de serviços básicos como educação e saúde.

Há outros aspectos que também atribuem para o atraso, e isso toca em um quesito polêmico: a cultura.

Vivemos em tempos de celebração do multiculturalismo, isto é, o estimulo à construção de uma sociedade murada culturalmente, sem valores universais. Tal pensamento levado ao extremo ignora a escassez de alguns valores humanitários em muitas culturas africanas. Só para deixar um exemplo, na etnia Xhosa, há uma tradição conhecida como Ukuthwala, que sustenta o mito de que homens aidéticos podem ser curados desde que transem com uma jovem. O resultado desta crença não é apenas o aumento do número de pessoas contaminadas com o vírus HIV, mas também o crescimento de estupros e sequestros, e também casamentos forçados entre homens maduros com adolescentes de 12 anos.  A África negra ainda sofre com guerras civis, leis bárbaras e naturalização de práticas perversas que nascem de crenças e tradições que contrariam os direitos humanos.


Muitos podem dizer que não deveríamos interferir, afinal, o Ocidente também convive com sua barbárie e seus atrasos. Mas não estaríamos sendo omissos diante de tantas barbaridades cometidas em nome da cultura? Nossa ajuda econômica não deveria se pautar na colaboração para a construção de um modelo econômico que dê conta de produzir bens vitais para os africanos? Incentivar a democracia, a diversidade, a educação laica e as liberdades como valores civilizatórios (sempre resguardando a soberania dos povos) não poderia ser visto como um auxílio humanitário ao invés de “colonialismo cultural”? Precisamos pensar nisso. 

Um comentário:

  1. Excelente questão, amigo. Podemos acrescentar entre as barbaridades citadas a mutilação genital de que são vítimas muitas mulheres africanas. Parabéns pelo texto.

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