Por Adelson Vidal Alves
Além disso, tal discurso servia
aos interesses imperialistas e colonizadores. Os africanos poderiam ser
dominados e escravizados, pois seriam naturalmente inferiores, carentes de uma
missão civilizadora, o “fardo do homem branco”. Hoje, conseguimos interpretar o
continente africano sem muitos desses preconceitos. Sabemos que a África não é
homogênea, abriga um número enorme de línguas, tribos, etnias e culturas
diferentes, de modo que seria um erro falarmos de uma “cultura africana”. O
Continente expressa uma rica pluralidade cultural, assim como uma história
própria que nada deve aos valores europeus e americanos.
No entanto, ainda que reconheçamos
todas as particularidades do continente africano, não podemos deixar de nos
preocupar com os números sociais alarmantes que ali habitam, sobretudo, na
parte que chamamos de “África negra”.
Segundo a ONU (Organização das
nações unidas), cerca de 150 milhões de africanos não tem acesso às calorias alimentícias
necessárias para uma saúde segura, e cerca de 23 milhões estão prestes a morrer
de fome. Ainda segundo a organização, até 2020 teremos um aumento de 18% na
desnutrição infantil. Tais números são um escândalo ético para toda a comunidade
internacional. Mas, afinal, qual a razão deste “atraso” africano?
Devemos pensar a partir de
várias orientações, geográficas, históricas, ambientais, culturais e
econômicas. Do ponto de vista histórico, está a constatação da herança
colonialista e imperialista que o continente sofre. Suas riquezas foram
saqueadas, seu povo oprimido, sua cultura violentada. Tudo isso se soma ao
problema da produção de alimentos e dos bens de produção em geral. É um fato
que a maior parte das nações africanas não desenvolveu forças produtivas capazes
de produzirem alimentos na proporção que cresce sua população. As formas
produtivas de grande parte do continente não da conta das altíssimas taxas de natalidade,
que combinam com a baixa oferta de serviços básicos como educação e saúde.
Há outros aspectos que também atribuem para o atraso, e isso toca em um quesito polêmico: a cultura.
Vivemos em tempos de celebração
do multiculturalismo, isto é, o estimulo à construção de uma sociedade murada
culturalmente, sem valores universais. Tal pensamento levado ao extremo ignora a escassez
de alguns valores humanitários em muitas culturas africanas. Só para deixar um
exemplo, na etnia Xhosa, há uma tradição conhecida como Ukuthwala, que sustenta
o mito de que homens aidéticos podem ser curados desde que transem com uma
jovem. O resultado desta crença não é apenas o aumento do número de pessoas
contaminadas com o vírus HIV, mas também o crescimento de estupros e
sequestros, e também casamentos forçados entre homens maduros com adolescentes
de 12 anos. A África negra ainda sofre
com guerras civis, leis bárbaras e naturalização de práticas perversas que nascem
de crenças e tradições que contrariam os direitos humanos.
Muitos podem dizer que não
deveríamos interferir, afinal, o Ocidente também convive com sua barbárie e
seus atrasos. Mas não estaríamos sendo omissos diante de tantas barbaridades
cometidas em nome da cultura? Nossa ajuda econômica não deveria se pautar na
colaboração para a construção de um modelo econômico que dê conta de produzir
bens vitais para os africanos? Incentivar a democracia, a diversidade, a
educação laica e as liberdades como valores civilizatórios (sempre resguardando
a soberania dos povos) não poderia ser visto como um auxílio humanitário ao
invés de “colonialismo cultural”? Precisamos pensar nisso.
Excelente questão, amigo. Podemos acrescentar entre as barbaridades citadas a mutilação genital de que são vítimas muitas mulheres africanas. Parabéns pelo texto.
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