terça-feira, 11 de abril de 2017

Os idiotas elegeram Samuca?

Por Adelson Vidal Alves



O filósofo Platão (427 a.C. - 347 a.C.) defendia que a classe governante deveria ser composta pelos filósofos, porque o povo é movido pela paixão e não sabe tomar as melhores decisões. O liberal Stuart Mill (1806 - 1873) - que defendeu bandeiras progressistas em sua época, como o voto feminino - propôs que o voto individual tivesse pesos diferentes, de acordo com a inteligência do eleitor. Já o escritor conservador brasileiro Nelson Rodrigues (1912 - 1980) escreveu: “A maior desgraça da democracia, é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade”.  

Pensando em tempos distintos, os autores citados estavam de acordo com o fato de que um governo deve ser constituído pelo bom uso da razão e da inteligência. Algo que parece estar cada vez mais raro em tempos de “pós-verdade”, isto é, quando a realidade objetiva é substituída por discursos que são acolhidos pela crença pessoal de cada um. Os fatos cedem espaço a narrativas falsas que por algum motivo convencem pessoas que aceitam mentiras como algo real.

O Jornalista Eugenio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, comentando sobre o termo, disse:

"A ideia contida aí é relativamente simples: a política teria rompido definitivamente com a verdade factual e passa a se valer de outros recursos para amalgamar os seguidores de suas correntes. É como se a política tivesse sucumbido ao discurso do tipo religioso e se conformado com isso”.  

Já o filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, descreveu exemplos do quão trágico pode ser o triunfo da “pós-verdade”:

 "A campanha de Donald Trump foi o maior exemplo de pós-verdade, com desdenho total pela veracidade dos fatos mencionados. A campanha do Brexit também foi assim. Podemos dizer que outro exemplo foi a vitória do 'não' no referendo colombiano sobre o acordo de paz com as Farc, que poderia encerrar uma guerra de mais de 50 anos".

No ano passado, na cidade de Volta Redonda, tivemos um exemplo tosco, mas não menos grave, do resultado trágico que pode trazer a pós-verdade. Na disputa pela prefeitura da cidade, as baixarias e mentiras deram tom da campanha nos dois turnos, mas com destaque para o segundo.

Os candidatos eram Paulo Cesar Baltazar (PRB) e Samuca Silva (PV). O primeiro, ex-prefeito, reuniu apoio de quase todos os campos políticos organizados da cidade. Já o segundo, não passava de um recém-postulante a vereador que mal atingiu 500 votos, e se viu, neste momento, com a possibilidade de ocupar o Palácio 17 de Julho.

Baltazar apostou numa campanha focada na política, na necessidade de uma coalizão ampla de forças para governar a cidade em grande dificuldade econômica. É verdade que muitos de seus apoiadores também abusaram das redes sociais para baixar o nível da campanha, caso do vídeo produzido pela jornalista Kika Monteiro. Mas em geral, o ex-prefeito teve que se esquivar de acusações caluniosas sobre processos que supostamente respondia, orquestradas por uma multidão fanatizada de apoio a Samuca. Este, que propôs à população tão somente “gestão”.

Desconstruindo os fatos aos moldes da pós-verdade, Samuca e seus fiéis desenharam um paraíso municipal gerido por homens competentes, técnicos, distantes dos “acordos espúrios” que prevaleceriam na política tradicional, “a generalização da desgraça e da corrupção”.

Por algum motivo, a maioria da população caiu nessa conversa, e mesmo que houvesse mais 10 anos de campanha, seria impossível virar os votos consolidados do candidato verde.

Prevaleceu o irracional. Como religiosos, os eleitores de Samuca recusaram até mesmo lerem seu programa de governo. Bastava o “novo”, o “gestor”, para que um novo mundo decolasse na cidade do aço.

Mas e ai? Os votos no 43 foram de gente suficientemente idiota para acreditar em mentiras tão estúpidas e ufanistas? Por que a paixão prevaleceu sobre a razão, o debate e a dialética qualificada de um genuíno regime democrático?

O que sabemos é que em 100 dias de governo, Samuca foi a tragédia anunciada por muitos durante a campanha. Previsões que não exigiam mais que um pouco de atenção e racionalidade. As promessas do candidato do PV eram tão bizarras e bestas, que muitos de nós poderia se perguntar o que levou tanta gente a entrar de cabeça numa aventura tão ridicula e perigosa. Estará Nelson Rodrigues com a razão? Como democrata, espero que não.


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